Escrito por Wilson Aparecido Lopes
Josué de Castro foi e continua em nosso meio como um profeta. Seu trabalho minucioso de investigação, acerca de um dos problemas mais gritantes de toda a história da humanidade, permanece atual até hoje. Quando parte da humanidade se rendia ao vislumbre das grandes descobertas e da revolução industrial, Josué de Castro teve a coragem e a ousadia de trazer à tona a fome. Revelando que todo este vislumbre estava calcado sobre os fundamentos do mais terrível de todos os flagelos humanos. Sua vontade férrea de extirpar a fome que grassava milhões de vidas humanas mundo afora consumiu todas as suas energias, o que, com certeza, Josué de Castro doou de muita boa vontade.
Chegado o momento de deixar a presidência do Conselho da FAO, em 1955, Josué de Castro nos legou estas proféticas palavras: "Longe de mim menosprezar a obra realizada pela FAO mas desejo dizer, com toda a sinceridade – e peço que me perdoem por falar com uma sinceridade um tanto brutal – que me sinto decepcionado diante da obra que realizamos. Decepcionado pelo que fizemos porque, a meu ver, não elaboramos até hoje uma política de alimentação realista que ponha em linha de conta, ao mesmo tempo, as desesperadas necessidades do mundo e nossos objetivos. Não fomos suficientemente ousados, não tivemos a coragem suficiente para encarar, de frente, o problema e buscar as suas soluções. Apenas afloramos a sua superfície, sem penetrar em sua essência, sem querer, na verdade, resolvê-lo, por falta de coragem de desagradar a alguns. Precisamos, a meu ver, ter a coragem de discordar de certas opiniões para aceitarmos a imposição das circunstâncias, resolvendo o problema no interesse da humanidade. Para servi-la em conjunto é que foi criada sob a inspiração do grande Presidente Roosevelt, a Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas".
Cinco décadas depois, ao término da Cúpula sobre Segurança Alimentar - em Roma, a 5 de junho passado -, foi esta também a decepção de Jacques Diouf, diretor-geral da FAO. A esperança que ele manifestou na abertura dos trabalhos, afirmando que "passara o tempo das palavras e era hora da ação", se esvaiu, dois dias depois, como areia fina por entre os dedos. O encontro da Cúpula terminava sem ação alguma e quase sem palavras, com um comunicado final tão aguado que o chanceler italiano, Franco Frattini, reconheceu como "decepcionante", asseverando que: "Se os líderes mundiais não conseguem pôr-se de acordo ao menos para evitar os danos de uma situação dramática de emergência alimentar, isso me preocupa".
Os frutos amargos desta tímida decisão o mundo todo está colhendo. Quando os interesses dos governantes são outros que não saciar a fome de seu povo, é possível se ouvir o grito que surge do fundo das panelas dos mais pobres. É lá que podemos ver refletido o "lucro" acima da "vida", num sistema neoliberal genocida e sua produção de milhões de mortos. Infelizmente, parece que os líderes mundiais presentes na fracassada Cúpula de Segurança Alimentar não se deram conta de que por trás da Revolução Francesa, da Revolução Chinesa, da Revolução Russa e das duas Guerras Mundiais estava a fome.
Em meio a este jogo de interesses, onde a vida é o que menos vale, Josué de Castro foi "grande", profeta de seu e de nosso tempo. Quando muitos intelectuais escolheram ficar do lado dos conquistadores e dos colonizadores, Josué de Castro foi atrás da verdade, escolhendo ficar do lado dos povos-famintos e denunciando a fome universal como uma praga fabricada pelo homem e não como um fenômeno natural. Assim foi que ele pôde nos relatar, com ousadia e coragem, situações de fome onde ninguém sequer suspeitaria que existisse, como na Europa onde "em 1586, a maior epidemia de fome de toda a história sacudiu a Inglaterra; e na França de 1662 os camponeses de Blois pastavam como gado, roendo os cardos e as raízes encontradas no campo". Sua constatação também revelou que durante vários anos de fome, no século XVII, "foram encontrados, caídos às margens dos caminhos da Europa, homens e mulheres, mortos com as bocas cheias de capim, e crianças, no cemitério, chupando as ossadas dos mortos".
Enquanto as multinacionais continuarem especulando financeiramente com a produção mundial de alimentos, a reforma agrária continuar engavetada, o agronegócio e o agrocombustível detiverem o privilégio em detrimento da agricultura familiar, a produção inescrupulosa dos transgênicos e a racionalidade empresarial maximizarem os lucros - iludindo os consumidores e acarretando não apenas uma fome em massa, mas degradando a qualidade dos alimentos a níveis incrivelmente baixos -, o mundo continuará presenciando cenas estarrecedoras como as do século XVII.
Josué de Castro foi laureado com inúmeros títulos, agraciado com vários reconhecimentos e tido como tendo feito, no campo da alimentação, uma revolução comparada a de Copérnico, no campo da astronomia. Contudo, na comemoração de 100 anos de seu nascimento não é difícil antever que o maior de todos os prêmios que a humanidade poderia conceder a este ser humano singular seria um mundo sem fome.
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