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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Fofoca


“A ‘fofoca’, ou a transmissão mal-intencionada de informações, é uma das redes mais importantes de preservação e transporte de rancor.Existem três diferentes formas: o ‘repassador de histórias’, a ‘má-língua’ e o caluniador”.

O caluniador é alguém que propaga uma mentira em relação a outra pessoa.

A ‘má-língua’ é a atitude do indivíduo que transmite uma informação verdadeira, porém com a única intenção de difamar.

O ‘repassador de histórias’ repete de forma falsamente involuntária informações comprometedoras, sempre com interesses escusos.

Se pudéssemos graduar estes níveis de manipulação de informação, encontraríamos uma situação inversa à que pareceria óbvia: a mais nociva das fofocas é justamente o ‘repasse de histórias’, seguido da ‘má-língua’ e por último da calúnia.

Tanto na calúnia como na má-língua, há o desejo de se difamar quem ‘merece ser difamado’; alimentam-se da justificativa de que não se pode deixar passar a oportunidade de denunciar aqueles que agem erroneamente. São, portanto, do ponto de vista da conservação do ódio, instrumentos muito parecidos.

À primeira vista, o fato de o caluniador estar mentindo definiria seu crime como sendo de maior gravidade, mas não é assim. É evidente que o caluniador é responsável pelos danos e conseqüências de seus atos, no que se refere a propagar uma mentira, mas a destrutividade de sua malícia é menor que a de uma má-língua.

O caluniador está na categoria de nada. Isto porque, sendo desmascarada sua mentira, a reputação do caluniado é restaurada imediatamente.

A má-língua é um instrumento que agrava uma intriga, sofisticando sua malícia. Em relação ao repassador de histórias, assume a posição de tolo, pois seu desejo de difamar é neutralizável por qualquer um que tenha um mínimo de senso crítico, e consiga questionar quais os interesses que teriam levado alguém a relatar tais fatos a outras pessoas.

O repassador de histórias é o nosso grande vilão. Sua natureza enquadra-se na dimensão do perverso. Com falsa imparcialidade, dissimula seus interesses. Passa adiante fatos que deixa para seus ouvintes julgarem. Porém, a conveniência de repassar a informação num dado momento, e de uma determinada forma, contém elementos muito propícios para a manutenção de ódios e rixas. Desta maneira, o repassador de histórias deixa de ser suspeito de possuir qualquer interesse em relação à informação.

Este elemento subliminar faz com que o ouvinte da fofoca assimile a informação infectada com rancor e acredite, depois de decodificá-la, que é seu o julgamento que, na verdade, já estava embutido na informação.

O repassador de histórias representa a mais nociva e endêmica forma de transporte e preservação de rancor, pois é praticada pela grande maioria das pessoas que, certamente, desconhecem seu poder destrutivo.

Não é por acaso que na Bíblia, onde se descrevem as mais sofisticadas formas de civilidade e sapiência recomenda-se: “Não andarás repassando histórias entre teu povo” (Lev. 19:16). Este é o trecho onde as recomendações mais sutis para se alcançar uma vida de qualidade são listadas.

A fofoca também depende daquele que se presta a ouvi-la. “Saiba que aquele que escuta uma afirmação maldosa é tão perverso quanto aquele que a transmite. O simples fato de se dar atenção permite àqueles que estão próximos pensar: ‘fulano ouviu o que lhe dizem e concordou, portanto, o que dizem deve ser verdadeiro’. “

A propagação da fofoca depende da disponibilidade dos ouvintes para perpetuar os processos de rancor e ódio. Todos, uns mais, outros menos, fazemos parte desta rede informal, cujos custos à paz mundial são incalculáveis.

Romper com esta rede requer sabedoria e disciplina. Deve-se perceber que sua eficácia está nas artimanhas com que desvia energia de nosso discurso e comportamento, logrando-nos constantemente. Somos então feitos receptáculos do rancor.

O embuste da intriga não está na essência do que é dito, mas na forma como é transmitida. Por isso, tanto a lisonja como o elogio podem conter tanto veneno quanto a blasfêmia.

A adulação é uma incitação à inveja. Tanto aqueles que o ouvem, quanto o que o expressa, sentem-se seduzidos pelo desejo de diminuir aquele a quem se destina a lisonja. Através do louvor, pode-se abrir caminho à malícia.

Como podemos então criticar ou censurar alguém?
O rabino Israel Meir (século XIX), conhecido como o “Ávido pela Vida”, dedicou-se a escrever sobre a fala e a formular critérios para desvelar seus embustes. Seu apelido deriva do versículo dos Salmos que afirma: “Quem é o homem que é ávido pela vida… aquele que guarda a sua língua”.

O Rabi Israel Meir esboçou um manual de normas para filtrar rancores e malícias da fala. Foi a seguinte a fórmula para termos certeza de que nossas intenções são construtivas:

1) As evidências da desonestidade ou da falta cometidas devem ser obtidas pela própria pessoa que critica, e não através de rumores que tenha ouvido.

2) A pessoa que critica deve ser cautelosa e refletir intensamente, para certificar-se de que realmente houve uma atitude incorreta.

3) Deve então censurar a pessoa que cometeu o erro reservadamente, sem alarde e de forma a não ameaçá-la, demonstrando expectativa de que modifique sua conduta. Se isso não ocorrer, então sim, poderá tornar o caso público.

4) Não deve, no entanto, fazer parecer a ofensa maior do que é.

5) Deve tentar entender seus próprios motivos, e certificar-se de que não está censurando o outro por razões pessoais, mas que o faz de boa fé e com o objetivo de ser construtivo.6) Se existir outra forma de evitar a difamação do outro, deve recorrer a tal método primeiro.

Além disto, uma pessoa que publicamente difama alguém deve ela mesma ser honesta e não culpada do mesmo tipo de faltas que censura no outro. Deve também certificar-se de que as pessoas para quem denuncia as faltas não sejam elas mesmas culpadas de práticas similares à que é criticada.”

Do livro A Cabala: da Comida, do Dinheiro e da Inveja, do rabino Nilton Bonder

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