Escrito por Gabriel Perissé
É preciso ler um pouco de tudo.
É preciso ler um pouco de psicologia, para descobrir o poço sem fundo da alma.
É preciso ler um pouco de poesia, para penetrar nesse poço sem fundo, e nele afundar até o gozo.
É preciso ler um pouco de teologia, para descobrir que indo mais fundo no poço sem fundo encontraremos a Deus.
É preciso ler um pouco do jornal do dia, para descobrir que o mundo já chegou ao fundo do poço, mas ainda continua descendo.
É preciso ler um pouco de geologia, para descobrir novos poços sem fundo nesse mundo fecundo.
É preciso ler um pouco de magia, para descobrir no fundo do poço mais fundo o enigma mais profundo.
É preciso ler um pouco de filosofia, para descobrir que o mundo não é imundo, é apenas um poço sem fundo dentro de outro poço ainda mais fundo.
É preciso ler um pouco de biologia, para descobrir a vida se debatendo no fundo, no fundo mais fundo do poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de antropologia, para descobrir que somos esse próprio poço sem fundo, fundamento de tudo o que somos.
É preciso ler um pouco de arqueologia, para descobrir uma cidade no poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de astronomia, para descobrir que o céu é também um poço sem fundo, oceano negro em que nadam estrelas e interrogações.
É preciso ler um pouco de espeleologia, para descobrir que a caverna sem fundo guarda outros tantos poços sem fundo.
É preciso ler um pouco de filologia, para decifrar a linguagem do poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de metodologia, para descobrir os caminhos que há dentro do poço sem fundo.
É preciso ler um pouco de etruscologia, grafologia, nefrologia, opsologia, ovniologia, papirologia, parapsicologia, piretologia, pomologia, psefologia, selenologia e todas as logias possíveis, para descobrir o poço sem fundo da nossa curiosidade.
É preciso ler um pouco de tudo, embora seja muito pouco. Que esse pouco, porém, seja suficiente para nos fazer vislumbrar no poço sem fundo a ausência desse fundo.
Ler um pouco de tudo, mas ler a fundo esse pouco.
Ler um pouco, tendo como pano de fundo a sede de saber.
Ler um pouco, mas, mesmo sendo pouco, ler contrafundo.
Ler um pouco, a fundo perdido.
Gabriel Perissé é doutor em educação pela USP e escritor.
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