Abusos da Polícia Federal alimentam impunidade, diz Tarso Genro
por Marina Ito“O inquérito no qual se cometem abusos prejudica a possibilidade de punição e, portanto, alimenta a impunidade.” A declaração é do ministro da Justiça, Tarso Genro, que reconheceu que algumas operações da Polícia Federal passam da medida. Para ele, é preciso barrar os excessos, sob o risco de prejudicar as investigações e os processos judiciais decorrentes das operações.
Em reunião na seccional fluminense da OAB, que contou com a presença de advogados e parlamentares, Tarso Genro criticou a exposição dos investigados. Pare ele, esse tipo de situação leva à condenação antecipada de pessoas que ainda serão processadas e podem ser consideradas inocentes.
O ministro afirmou que o manual de condutas da PF foi violado no curso da Operação Satiagraha, que culminou com as prisões do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito da cidade de São Paulo, Celso Pitta, todos já soltos por ordem do Supremo Tribunal Federal.
Tarso citou o caso de Pitta, flagrado de pijamas ao receber a Polícia Federal em sua casa e admitiu que o erro foi de quem passou a informação para a emissora. No momento em que a PF foi executar o mandado de prisão temporária contra o ex-prefeito, a equipe da Rede Globo estava no local, de onde pôde filmar Pitta abrir a porta de sua casa.
“Isso não se justifica para ninguém. As pessoas foram expostas nessa operação e, evidentemente, a Polícia Federal vai investigar quem foi”, afirmou. Tarso lembrou que a Justiça não é produzida no momento do inquérito. O ministro defendeu a reforma na legislação para coibir o abuso de autoridade. Segundo ele, as penas para quem abusa ainda são pequenas e não intimidam os agentes públicos. E ressaltou, contudo, que eventuais excessos não podem anular a importância da denúncia no caso da Satiagraha.
O ministro Tarso Genro também comentou a suposta gravação de assessores do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, com advogados do banqueiro Daniel Dantas. Segundo a revista IstoÉ, a gravação teria sido feita por agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e encaminhada pela PF à Procuradoria-Geral da República. A Abin e a PGR negam que isso tenha ocorrido.
Tarso afirmou que o Supremo está sendo alvo de um ataque feito de “maneira rebaixada”: “Nesse caso concreto da gravação do presidente [do Supremo], fui saber pela imprensa sobre uma suposta gravação”. Ele explicou que não tem o poder de interferir no inquérito e não acredita que essa gravação exista.
Estado judicial
Para o ministro da Justiça, há no país uma “privatização” das interceptações. “Qualquer pessoa compra qualquer aparelho e sai gravando. E, às vezes, se confundem gravações permitidas judicialmente e gravações ilegais”, disse.
Tarso também negou que as operações da PF tomam outro rumo quando encontram nomes ligados ao Partido dos Trabalhadores. “Não há nenhuma distorção em relação a isso”, afirmou, lembrando que “as pessoas mais famosas que estão sendo processadas hoje são do PT”. Ele afirmou que não interfere nessas questões, até porque acredita que um ministro que faça isso perde respeito de seus subordinados.
O ministro negou a existência, ou mesmo a formação, de um Estado Policial no país. O argumento de Tarso é de que as operações da Polícia Federal, tal como seus procedimentos (prisões temporárias e preventivas, interceptação telefônica, busca e apreensão de documentos), têm respaldo em decisões judiciais.
Tarso Genro também falou sobre as algemas. Segundo ele, seu uso tem uma dupla finalidade que é a de proteger os policiais que prendem e a proteção do próprio preso. “Não acho que o agente policial deva algemar sempre uma pessoa. Ele deve medir com cautela a necessidade e as garantias para que a custódia seja feita de maneira adequada e respeitosa”, afirma o ministro, a quem a Polícia Federal está subordinada.
Questionado, o ministro da Justiça explicou que o aparelho usado para monitorar linhas telefônicas, chamado de Guardião, é sofisticado e que há um controle rigoroso sobre ele. Tarso deu um exemplo: se o próprio ministro estiver com seu telefone grampeado e o presidente da OAB do Rio, Wadih Damous, ligar para ele, o número deste não será grampeado automaticamente. Ele afirmou que, se o policial que está fazendo o controle achar que há elementos que colocam sob suspeita o presidente da OAB fluminense, só poderá monitorar o advogado se houver uma decisão judicial com a determinação. Para a sorte do Estado de Direito.
Tarso Genro disse, ainda, que todos os procedimentos são registrados. O ministro também defendeu maior clareza na Lei de Interceptações Telefônicas, como a determinação expressa de quanto tempo o investigado pode ter suas conversas monitoradas.
O ministro da Justiça afirmou que as facilidades de interceptações telefônicas ilegais fazem com que a pessoa já fale no telefone imaginando que está sendo monitorado. “Estamos chegando num ponto de se falar ao telefone com a presunção de que alguém está escutando.” Ele acredita que, se alguém quer escutar a conversa alheia, consegue meios para isso.
No encontro, o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, adotou o discurso da ponderação. Afirmou que tem de haver um combate rigoroso aos crimes de colarinho branco, mas não concorda com a humilhação de acusados e grampos como única forma de investigação.
Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2008
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