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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Onde quer que você esteja...

Hoje eu recebi um e-mail de um amigo – intitulado Teimosia e escrito por Paulo Roberto Gaefke. Imediatamente me lembrei de um amigo que tive, o Cássio.
Conhecemos-nos 4 anos anos atrás. Ele era uma pessoa bacana. Nós jogávamos Dama e Xadrex sempre que estávamos juntos em Rio Branco. E a amizade apareceu. Com minhas frequentes idas e vindas para Rio Branco nossa amizade foi bem por mais um ano. Não sei por que motivo, já que não me lembro mais terminamos nos desentendendo por uma bobagem qualquer e deixamos de nos falar.

Um belo dia ele resolveu aparecer de novo. Ligou-me sem qualquer motivo dizendo-se arrependido pelo desintentimento que tivemos, desintendimento este que nem sabia mais porque.. enfim, conversamos bastante e voltamos a nos corresponder. Não sei exatamente como isso ficou para ele, mas eu já não era a mesmo. A confiança e a dedicação a esta amizade havia mudado em mim significativamente. Aliás sou humano e erro pacas...

Coincidentemente o ano passado nos reencontramos no Aniverssário de Sena Madureira e depois disso alguns meses depois voltamos a ser bons amigos... ou quase... nos víamos pouco. Falávamos-nos muito ao telefone, mas nos encontrávamos raramente.

Não sei por que motivo novamente ou por uma circunstancia imbecil que nos fez romper com a amizade definitivamente. A conversa tratava de semântica. Exatamente a semântica discutida no texto que publico a seguir.

“TEIMOSIA
O relógio mais certo do mundo é o do teimoso!’
Ter perseverança e lutar pelos objetivos é muito bom. Ter uma meta e perseguir com determinação é melhor ainda. Mas, muita gente anda confundindo "determinação" com "teimosia", e por isso, anda sofrendo mais do que "pé em sapato apertado". Dando murro em ponta de faca, querendo fazer o que não consegue, tentando mudar quem não quer mudar, ter o que não pode ou não deve, ser quem não é, fazer o que não sabe, falar do que não viu...
A teimosia é uma forma de tortura pessoal, é o caminho mais rápido para a obsessão, porta que se abre para as doenças nervosas e mentais.
Aprenda em primeiro lugar que até as pedras mudam de lugar, e nem precisam ser redondas para rolar pelo caminho, pois o tempo, através do vento, da chuva e outros elementos, vão cuidando de movimentar até as maiores rochas.Por isso, os que acreditam que não vão mudar nunca, são os que mais recebem "lições de mudança" do tempo. São os ventos da contrariedade, as chuvas da decepção, o furacão de problemas que se repetem e surgem pela obstinação, pela "cegueira" que a teimosia provoca.Estamos aqui para aprender, estamos na grande escola da vida, e não somos perfeitos!Temos lições que necessitamos aprender, temos amores que não devemos viver, trabalhos que não nos servem, prêmios que não nos pertencem, lutas que teremos de passar, pensamentos que devemos mudar, caminhos que não são bons, verdades que não duram uma década, talvez nem um dia, porque não são verdades, são as nossas verdades caprichosas...Por isso, faça hoje o que deve ser feito, tenha (ou crie) disciplina nas suas coisas, mude o pensamento, o caminho, a certeza, na dúvida, duvide,acredite mais em você, mas lembre-se: errar é humano sim, mas persistir no erro...”

Não sei mais nada dele. Minhas viajens a rio Branco diminuiram, mudei de endereço e de telefone, mas hoje me peguei lembrando-me dele com este texto. E lembrei-me também que na próxima semana uma amiga comum se casará.

Não sei se o verei, mas também hoje não faz mais nenhuma diferença. “Águas passadas não movem moinhos” diria a minha avó. Eu não guardo mágoas, ressentimentos e não desejo nenhum mal a ele. Guardo boas lembranças de uma amizade que se foi.

Seja feliz Cássio! Onde quer que você esteja, fazendo seja lá o que for que o permita vencer.

Acre, história e arquitetura: tradição vernácula e moderna num ambiente de floresta

Recebi com muito carinho o trabalho de autoria de Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa que é arquiteta formada pela UGF, com mestrado em História pela UFPE e doutoranda em Desenvolvimento Urbano pela MDU/UFPE, com orientação de Luiz Manoel do Eirado Amorim é arquiteto (UFPE), PhD UCL/University London, que retrata as modificações arquitetônicas no Nosso Estado.

A história do Acre é desde cedo  lugar de encontros de culturas diferentes sendo mais um exuberante capítulo da história do Brasil.  Portugueses, nordestinos, sulistas, sírio-libaneses e bolivianos, entre outros, aliaram-se aos nativos da região, os indígenas, no amalgama dos saberes culturais e o entrelaçamento de raças, costumes e interesses, reproduzindo, guardando as devidas proporções, a época dos descobrimentos.

É, pois, o último ponto de expansão de fronteira brasileira ao noroeste da Amazônia, no fim da primeira metade do século XIX. Tem a origem de seu nome no dialeto indígena Ipurinã Wuawiukiru, que logo foi aportuguesado “Aquiry” - Acre - pelos recém-chegados. Pretende-se, aqui, contar uma breve história da arquitetura, e a aparição das primeiras cidades, naquela região, enfatizando as contradições harmônicas entre a tradição vernácula e moderna num ambiente de floresta.

Como um espaço natural desconhecido do mundo civilizado  sofreu um processo de ocupação lento, tendo uma primeira fase apenas geográfica, registrada cartograficamente pelas missões científicas e exploratórias, como a de William Chandless, um geógrafo enviado pela Royal Society of London em 1864, iniciando a efetivação da fronteira acreana,  forçada pelo extrativismo da nativa hevea brasiliensis, cujo látex produz a borracha vegetal.

A ocupação da Amazônia, porém, começou muito antes e teve momentos distintos: um de ordem pontual, com a coroa portuguesa, e subliminarmente com a francesa, a espanhola, a holandesa e inglesa; prosseguindo depois à fase da busca pelas drogas exóticas, o interesse pela pesquisa e logo a seguir a implementação  da atividade extrativa da hevea brasiliensis, e, por último, o pós-ciclo da borracha, marcado por uma ocupação caótica, ligada ao ciclo da agropecuária.

Na fase ainda geográfica, o Acre foi anexado à Província do Amazonas, fazendo parte da Comarca do Rio Negro. Em 1898, inicia-se a segunda fase, quando o ministro boliviano Paravincini estabeleceu o Departamento Boliviano do Acre, em Porto Alonso, com a intenção de arrendar aquele território aos Estados Unidos da América. Fato que acabou por provocar a Revolução Acreana que terminou com a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, com a Bolívia, incorporando-o ao Brasil, e, depois de ter sido Território, passou à Estado em 1962.

O Acre atual faz divisa com Amazonas e Rondônia e fronteira com Peru e Bolívia. Sua extensão territorial é de 445 quilômetros no sentido norte-sul e 809 quilômetros entre o extremo leste-oeste. Sua população é de aproximadamente 546.732 habitantes distribuídos numa superfície territorial de 153.149,9 quilômetros quadrados, que corresponde a 3,9% da área amazônica brasileira e a 1,8% do território nacional (ZEE, 2000).

A selva inabitada pela civilização recebeu as primeiras intervenções do imperialismo com o capitalismo industrial,  vindas com a implantação dos seringais, cuja espacialidade de seu núcleo traduziu a primeira unidade produtiva da região, no caso para extração do látex e produção da borracha vegetal.

Há uma divergência de opiniões entre historiadores a respeito da gênesis das cidades acreanas. Uns acreditam que se desenvolveram a partir dos seringais e outros defendem que nasceram paralelamente às atividades dos mesmos, abrigando funções comerciais alternativas. Podemos considerar as duas questões, uma vez que as cidades estavam sempre próximas aos seringais e de uma forma ou de outra estabeleceram relações de dependência e de desenvolvimento.

Assim, nessa primeira fase geográfica, os aglomerados surgem de forma espontânea, seguindo os cursos das navegações ribeirinhas, responsáveis pela penetração no território tendo como marco para fixação a quantidade de seringas, como é sutilmente chamada a árvore que faz jorrar o ouro negro. Mas, logo em seguida, esses aglomerados recebem planos de organização espacial, projetados por engenheiros militares, já na república.

Os núcleos, então, ainda não tinham autonomia de cidades, coisa que só veio a acontecer em 1912/1913, mas passaram à condição de vilas. Como principais citaremos Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Xapuri e Sena Madureira, que tiveram diferentes tipos de colonizações e receberam de forma diferenciada os planos urbanísticos que a República Brasileira, distante, lhes enviava.

Xapuri foi a primeira capital do estado e teve planta idealizada pelo engenheiro militar Gastão Lobão em 1903, fortemente marcada pelo traçado reticulado que foi delineado praticamente in situ, nas quadras que já estavam ocupadas por ordem de Plácido de Castro, militar que comandou a Revolução Acreana.

Rio Branco, a atual capital do Estado, só veio a ter seu plano em 1908, quando Gabino Besouro, o prefeito do Departamento na época, designou os engenheiros Manoel  Maria de Figueiredo Aranha e Álvaro Conrado de Niemeyer, ambos 2º tenentes, para ordenar um projeto de arruamento e implantar, na margem oposta do rio Acre, em Penápolis, um posto meteorológico, quando a cidade veio ocupar as duas margens, tornando-a mais pitoresca, também com traçado reticulado.

Esses planos não foram imediatamente adotados, tornaram-se, porém, importantes nos traçados das cidades atuais. Caso diferente de Sena Madureira que foi desde logo destinada à sede do Departamento do Alto Purus e seu plano é marcado por uma riqueza de detalhes e beleza de desenho da implantação das obras civis e religiosas.
Cruzeiro do Sul teve, sob a batuta do coronel Gregório Thaumaturgo de Azevedo, seu plano elaborado pelos engenheiros José de Berredo, Manfredo Castanhede e Alferes Sulpício Cordovil que, além de locar residências na planta, desenhou a cadeia, a biblioteca, a usina de eletricidade e uma escola. Seu desenho foi comparado ao de Belo Horizonte de Aarão Reis (1896), exemplo de intervenção moderna nas cidades brasileiras, devido à semelhança do traçado e a ocupação da paisagem de seu sítio.
Essas cidades tornaram-se municípios pela lei federal nº 9.831/’1912, com datas diferentes durante o ano de 1913. Apesar disso continuaram por um longo tempo na incerteza administrativa entre os núcleos rurais dos seringais que eram auto-suficientes e as respectivas sedes das Comarcas. Só a partir de 1970, e a Ditadura Militar, que a urbanização, no então Estado, passa a ser  acelerada, já na fase da agropecuária.

Nesta época,  inicia-se um período marcado pela ideologia desenvolvimentista que resultou na degradação das atividades econômicas tradicionais e na exploração dos recursos regionais, causando um desmesurado desequilíbrio. Ao mesmo tempo em que, pelo tipo de ocupação e uso do solo, terminou por configurar, nos assentamentos urbanos, um acentuado processo de degradação sócio e ambiental. Vale lembrar que a legalização das terras no Acre, ainda é uma questão não muito bem resolvida, com um processo histórico de alternâncias de apropriação cultural.

Mas, o principal patrimônio histórico do Acre é seu próprio território, composto por uma admirável bacia hidrográfica e uma estupenda biodiversidade abrigada numa vegetação de floresta tropical densa e tropical aberta. Seu patrimônio edificado, porém, pode ser descrito através dos significados culturais que sua população lhe assegurou. Significados que foram elaborados harmoniosamente entre as contradições, como um bom solo brasileiro. E, também, por isso mesmo tem sua importância.

Na arquitetura encontramos uma forte presença da construção vernácula, com materiais locais, como: madeira, palha e terra, cuja linguagem ‘cabocla’ vem da interação do primitivo saber dos nativos, com as maneiras inovadoras trazidas pelos migrantes. Como exemplo a sede dos seringais, núcleo principal e administrativo, chamado de “barracão”, é o lugar dessas contradições harmônicas. Primeiramente foram construídos de forma improvisada, utilizando o taperi, para o abrigo, e o paperi para a defumação do látex da borracha.

Depois, em virtude da ampliação da atividade extrativista, modelos foram trazidos pré-cortados em madeira do Pará e de Manaus, com coberturas de telhas tipo Marselha, de cerâmica, compondo uma linguagem moderna do ecletismo. Junto com estes modelos foi trazido para o seringal Bom Destino uma capela toda em ferro. A junção dessas duas situações proporcionou um ‘modelo urbano’ que se verifica até hoje, aliando numa mesma composição estética a maneira vernácula e a erudita.

O processo de urbanização, forçou, no entanto, o aparecimento de outras técnicas construtivas, como a alvenaria de tijolos cozidos, incentivados na década de 20 do século XX, ancorada na proposta de higiene e sanitarismo, principalmente na época do presidente Afonso Pena. A cultura regional resistiu por longo tempo à nova técnica, apesar de todos os incentivos administrativos que foram empregados, e hoje a realidade é bastante diferente, tendo a alvenaria alcançado a supremacia na maioria das cidades e a madeira sendo utilizada nas colocações, que são as moradias dos seringueiros ou nas periferias urbanas.

O Patrimônio Histórico específico da arquitetura foi construído a princípio em madeira e seguiu um padrão que se tornou tradicional na região. A partir da década de 20 do século XX, essa particularidade tende à transformação. A primeira obra monumental foi construída por Hugo Carneiro. Trata-se do Palácio do Governo, com projeto do arquiteto Massler, vindo do Ceará, em alvenaria. Inaugurado na década de 40, substituiu o antigo prédio da Intendência, que era todo em madeira com uma interpretação do eclético.

Nessa época, a idéia de modernidade na construção em alvenaria se alastrou pelas cidades acreanas do interior, onde os prédios públicos e algumas residências passaram a ser construções mistas, apresentando tão somente as fachadas em alvenaria e algumas seguindo a estética protomoderna, que já se manifestava em outras cidades brasileiras. O taperi, a casa eclética, tipo chalet, e as novas construções contribuem para dar às cidades uma feição de mudança e modernidade convivendo com o padrão local regional.

Cada cidade buscou construir um monumento moderno, ainda que singelo, de forma especial. Cruzeiro do Sul recebeu o estilo alemão, devido à sua colonização. O estilo aparece com enxaimel e coberturas de caimento avantajado distribuído em várias águas, identificadas nas escolas e nas obras da Prelazia. A Igreja Nossa Senhora da Glória, mais recente, da década de 60, mistura no erudito uma linguagem regional e talvez indígena.

As obras religiosas de missionários católicos, alemães e italianos principalmente, assim como as dos protestantes americanos, foram importantes na formação de operários e mestres para a construção civil. Na construção da igreja de Xapuri, por exemplo, e da nova sede do Colégio Divina Providência, que substituiu o de madeira, foram treinados os operários que atuaram na construção do Colégio São José e da Catedral Nossa Senhora de Nazaré de Rio Branco. Sena Madureira ergue também sua igreja e em seu interior aparece uma sutil mistura do românico com o marajoara. E Tarauacá expõe uma inovação, um painel de mosaico colorido na fachada principal.
Mesmo considerando o isolamento do Estado, em relação às demais cidades brasileiras e entre as suas cidades, constatamos que lentamente ele não deixou de receber as idéias modernas com suas temporalidades, interagindo e modificando-as conforme o gosto local. O tradicional e o moderno sempre conviveram bem na região, conjugando a composição de culturas diferentes que amalgamaram o espaço de fronteira acreano.

Na década de 70 do século XX, um fato novo determina significativas intervenções qualitativas na arquitetura em geral, o que deve ser creditado às escolas de arquitetura do sul do país. A presença do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil – ajuda a organizar e fundar no Estado o CREA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura  e Agronomia – que passou de forma sistemática a promover a atuação de profissionais na construção civil, com pouquíssimos profissionais (só recentemente foi aberta uma escola de arquitetura em Rio Branco).

Os reflexos desse fato se manifestam a partir de então, e, na arquitetura são revelados procedimentos, também acompanhados de contradições, como a substituição mais efetiva de novos materiais construtivos e a incorporação de uma linguagem impessoal. Alguns projetos são, no entanto, inovadores pela sua resistência, não ao novo, mas ao compromisso com a qualidade e a tradição local.

Assim alguns desafios surgem, procurando a harmonia da convivência. Severiano Porto projeta, na década de 80, o complexo do SENAI, no bairro da Cadeia Velha. Uma arquitetura voltada para a racionalidade e desempenho, ancorada na premissa modernista, utilizando concreto armado, amplas aberturas com vidro e cobertura com telhas amianto para grandes vãos.

Outros projetos apostam na técnica tradicional em madeira, como a Casa do Índio (199?), construção destinada a acolher os índios na cidade. E, anterior a ela, o prédio do Laboratório de Madeira, na década de 80, hoje FUNTAC – Fundação de Tecnologia do Acre – construído com painéis aglomerados e encaixados em perfis de madeira.

Esse mesmo espírito de resistência, procurando manter o emprego da madeira na construção, tem o projeto para APADEQ – Associação de Parentes e Amigos de Dependentes Químicos – inaugurado em 2002. A proposta parte do uso do material orgânico que atua na percepção das pessoas. Foram utilizadas tábuas em madeira serrada, pregadas aos perfis, com paredes de duplo revestimento e cobertura com telha de barro e forro. Seu interior foge à idéia do ”panóptico”, prevalecendo a vantagem da convivência familiar.

Atualmente, o Poder Público Estadual tendo como prerrogativa o embelezamento das cidades,  tem promovido obras de reforma e restauro de vários monumentos. Uma delas é a do Palácio do Governo que foi reinaugurado em 2000. Construiu, entre outras, o Memorial dos Autonomistas e a sede do Barracão do Seringal Bom Destino, de reconhecido valor histórico, por ter abrigado o início da Revolução Acreana.


Também para projetos de urbanismo, a década de 70 tornou-se um marco. A acelerada urbanização causou um maior adensamento urbano, principalmente em Rio Branco. É o início da verticalização. Optou-se por reproduzir modelos projetados no sul para Habitação Popular. Assim surgem novos bairros alargando a estrutura urbana. Como exemplo da verticalização temos na década de 80 o Conjunto Manuel Julião, composto por vários blocos de quatro pavimentos, e cuja implantação teve o desenho completamente desconectado da malha urbana da época.

A resistência é presente também no urbanismo, quando é construído o Conjunto Adalberto Sena, todo em madeira, com implantação paisagística e infra-estrutura básica. A técnica utilizada é inovadora. São usadas réguas residuais que correm por dentro de perfis, ambos de madeira. Interessante ressaltar a excelente aceitação desse processo construtivo pelo usuário que pouco o modificou ao longo do tempo.

Na atualidade, o maior projeto de intervenção urbanística foi a implantação do Parque da Maternidade, em Rio Branco. Um enorme parque urbano que corta transversalmente quase toda a cidade, seguindo a trajetória do canal do mesmo nome. Nesse parque está presente em vitrine a cultura acreana, disposta a competir com a imagem de outras cidades, numa perspectiva de marketing e empreendedorismo, prerrogativas da globalização.

Como intervenção, apresenta-se também contraditoriamente ao parque da Maternidade a obra de recuperação do Calçadão da Gameleira, com a recuperação do “lugar”, baseada numa das temporalidades pela qual aquele espaço passou, seguindo exemplo da intervenção do Pelourinho na Bahia, além de outros parques urbanos na franja da cidade.

Finalizando este pequeno inventário sobre a arquitetura no Acre, e as contradições entre as formas tradicionais e as modernas de construir e ocupar aquele espaço, não podemos deixar de mencionar o amplo projeto de “referência cultural” que envolveu a atuação do líder ambientalista Chico Mendes. Nascido no Acre, Chico Mendes era um bravo e entusiasta defensor da identidade da região.

Como seringueiro, gritou contra essas contradições realçadas pela modernidade e liderou na década de 70 os “empates”, que eram barreiras humanas literais contra as motoserras que derrubavam a floresta, para transformá-la em fazendas nos moldes paulistas. Sua residência é hoje o Museu com o seu nome, que incentiva produção artística tradicional.

Por ser um progressista insistiu na necessidade de autonomia da população e da floresta, ressaltando a contradição do desenvolvimento, que por um lado prevê e comporta o crescimento e por outro necessita de limites para que haja sempre equilíbrio. Seus seguidores continuam lutando através de seu pensamento pela auto-sustentabilidade: usar sim e cada vez mais proteger.

De fanfarras e patriotismos

Reproduzo com muita honra um texto do conterrâneo José Cláudio Mota Porfiro, que exalta o modo xapuriense de ser e destaca o civismo perdido....

Aquele era um tempo de muitas luzes e sons. A vida parecia sorrir, principalmente, para a nossa realidade pacata. Mas haviam fechado o sinal, como na poesia. Se estávamos tão distanciados, física e geograficamente, pela falta dos meios de comunicação, àquela época sob a atenta vigilância dos homens de ferro; política e ideologicamente, éramos mantidos a anos luz de distância da aspereza de um regime político que cerceava liberdades individuais e matava poetas afoitos como tantos.

Sorríamos, sim, mas as luzes da liberdade real eram pontinhos muito tênues no fim de um túnel que não existia. Éramos jovens massas de manobra de um sistema assassino... Até que, um dia, um certo pastor católico passou a pregar uma doutrina ímpar que dizia da igualdade que poderia pautar as nossas relações sociais. Passamos a ler, então, uns mosaicos ideológicos ditos comunistas. Foi aí que, em 1975, o mestre Jofre Koury, de grata memória, pôs-me a ler Os subterrâneos da liberdade e, depois, O cavaleiro da esperança, ambos de Jorge Amado, um intelectual proscrito.

E o resultado se fez bombástico. Tolheram o esclarecimento das futuras gerações. Fecharam o Colégio Divina Providência. As religiosas da Ordem das Servas de Maria foram dispersas e o Estado passou a gerir um sistema de ensino laico, nada parecido com o dos áureos tempos.

Mas deixemos as notas tristes de um passado tão recente...  

Eu me nutro ainda de tanto amor pátrio porque tenho uma alma interiorana. Asseguro-vos que é nas pequenas comunidades brasileiras onde o civismo brilha com mais intensidade, com terno fulgor. Esta é uma conclusão a que cheguei desde os tempos remotos da meninice, em Xapuri e, depois, nas épocas da juventude que até hoje dura, nesta minha capital seringueira. Ao crescerem, mesmo as quase metrópoles, como Rio Branco, tendem a ir perdendo o vigor cívico, como hoje, quando o Dia da Independência é marcado no calendário muito mais por se tratar de um feriado no qual o descanso e a folia devem ser a tônica.

Décadas de sessenta e setenta. Agosto e setembro eram meses de muita euforia. Eu só não me podia descuidar dos estudos - nunca - sob pena de sofrer as mais severas sanções por parte dos rígidos discipli-nadores lá de casa. De resto, era tão somente de amor cívico que todos nós enchíamos o peito e a alma de pequenos brasileiros, projetos de grandes cidadãos, preocupados com o nosso futuro e com o futuro da Pátria amada.

Apesar dos desiludidos com a terra natal (deles) eu, como o filósofo Voltaire, francês, costumo afirmar que a minha pátria tem qualquer coisa de divino que faz chorar a quem se ausenta dela e, principalmente, aos que sentem por ela amor verdadeiro. Em verdade, nós somos filhos orgulhosos de uma jovem Pátria e não mais haveremos de nos decepcionar com o seu passado ou com o seu futuro.
 
 Chega!

Naqueles tempos já distantes, logo depois das férias de julho, então, vinha o seis de agosto. Aí, todos os estudantes do Plácido de Castro, do Divina Providência e do Anthero Bezerra, devidamente uniformizados, iam em marcha e ao rufar dos tambores, perfilar-se em frente à antiga Intendência Boliviana, hoje chamada Casa Branca, onde cantávamos o Hino Nacional e o Hino Acreano, de olhos fixos na estátua de Plácido de Castro, o grande herói dos acrea-nos e exemplo maior a ser seguido pelos que o têm enquanto padrão de honra, dignidade e valentia em defesa da Pátria.

A grande maioria da garotada poderia perder qualquer programação, até deixar de ir a um joguinho de futebol, mas perder uma formatura, nem pensar.

Cedinho, já todos nós estávamos no Colégio Divina Providência colocando-nos em forma, sob a batuta do Tião Macedônio, professor de Educação Física e responsável pela ordem unida, uma espécie de ensaio que se verificava todos os dias com vistas ao sete de setembro. Era demais! Eu não cabia em mim de tanto orgulho, desde o dia em que, aos sete anos, desfilei com uniforme de marujo, desenhado e confeccionado com extremo capricho pela minha madrinha Eulália Brasileiro. Sua bênção!

Nos dias que antecediam o grande desfile, eu, o Bertamildo de Jesus e o Geraldo Leite, à tardinha, íamos para o quintal lá de casa para ensaios cansativos. Os dois primeiros tocando corneta e o grande cantor tocando um trombone contra-baixo. O Motinha, o irmão mais sacana do mundo, tocava uma caixinha e nós éramos, ao todo, uma fanfarra de vinte e oito alunos cheios de extremo contentamento.
 
Os últimos grandes ensaios, à noite, se transformavam em acontecimentos memoráveis. Os porta-bandeiras à frente, logo em seguida a fanfarra, depois os rapazes e enfim, as moças. Marcos, um dos irmãos mais velhos lá de casa, carregou a bandeira brasileira por quatro anos seguidos pelo fato de ser o melhor aluno do Colégio. É verdade e muitos xapurienses ainda confirmam o feito. Em 1968, ele obteve nota dez em cem por cento das dez disciplinas da quarta série do ginásio. E ficaram todas as provas expostas num mural por três ou quatro meses.

Lembra-me muito, aqui, o Olavo Bilac no seu Porque me ufano do meu país. É talvez piegas para uns, mas deveras importante para muitos.

Para encher de júbilo ainda maior, as moças, mais ou menos umas cento e vinte, acompanhadas pelos rapazes, uns cento e trinta, em marcha e sob o rufar apenas das caixinhas e taróis, entoavam o Hino da Independência, o Hino do Soldado e a Canção do Marinheiro, dentre outras. Naqueles pelotões, sempre muito bem afeiçoada, seguia intrépida e aguerrida, a hoje pranteada Maria Tapajós de cuja memória também não esqueço. À insigne juíza e ao meu bom cantor Geraldo Leite seria oportuno asseverar que, como escreveu Ernest Renan, no seu Discursos e conferências, uma pátria compõe-se dos mortos que a fundaram, assim como dos vivos que a continuam. Ide em paz, irmãos!

Existia no Divina Providência umas moças muito inteligentes e prendadas. Eram as irmãzinhas da Ordem das Servas de Maria que, desde o início das férias de julho, tomavam para si a incumbência de desenhar e confeccionar, um a um, adereços, alegorias, coroas, cetros, vestimentas especiais, mastros e bandeiras.

E vinha o cinco de setembro, entre nós, o Dia da Raça. Era este um dia tão especial quanto o Dia da Pátria. O uniforme era mais esportivo  -  ou mais ousado, na opinião das freiras  -  para o desfile da manhã e, à tarde, os escolares iam para o estádio de futebol. Lá, em competição acirrada, praticavam-se esportes de um outro tempo. Havia torneio de futebol feminino, formação de pirâmides humanas, corrida do saco, corrida da agulha, corrida do ovo na colher, cabo de guerra, maratona, e assim por diante.

No sete de setembro, ainda manhãzinha, todos já estavam entrando em forma em meio a grande contentamento. Havia bolo e chocolate. Era o melhor dia do ano! O uniforme da fanfarra era uma míni gandola verde ou vermelha e calça branca, dependendo do ano, ornadas de ombreiras e torçais dourados, e um gorro comprido e cilíndrico com uma pluma no alto estilo cadete. Os demais iam em camisas brancas de manga de punho e luvas da mesma cor, gravatas e calças azuis e  sapatos pretos lustrosos como a etiqueta e a ocasião exigiam. As saias da moças iam até os joelhos, as meias eram bem longas e as luvas iguais às dos rapazes. Havia, é claro, duas ou três balizas.

Todavia, eram os carros alegóricos do Divina Providência que davam muito mais colorido à festa. Lá no alto, devidamente coroados, postavam-se D. João VI, D. Pedro I, D. Pedro II, Princesa Isabel, dentre outros. Enfim, toda a cidade ia para a avenida Coronel Brandão aplaudir os garbosos filhos.
Numa dessas ocasiões vi lágrimas abundantes rolarem dos olhos de Alfreda Patrini e Regina Molinetti, a artista plástica e a madre superiora, respectivamente. A beleza do desfile houvera emocionado as italianas mais queridas dentre todas que conheci.

Ainda hoje emociona recordar. É que, nos corações menos moços, ainda há tempo para patriotismos nada ponderados e às vezes melífluos, mesmo na modernidade e, muito mais, quando o Brasil surge como uma das grandes nações do mundo. Como na poesia, a minha Pátria é aquele lugar onde a minha alma está acorrentada.