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domingo, 18 de janeiro de 2009

Charge do Dia

Aos mais desavisados pdem até se perguntarem por que da minha escolha de um antigo comerciante para expor suas idéias in memorian, mas o Sr. Alberto Zaire não foi somente um comerciante, que de fato conhece a sua trajetória o descreve como: o seringalista, político e professor da Faculdade de Direito, e foi testemunho das festas de São Sebastião desde 1925, até sua morte em meados da década de 90, e tive acesso a uma entrevista concedida ao Jornal O Rio Branco em 1981, onde o mesmo explicou detalhadamente os aspectos sócio-econômico-culturais da Festa de São Sebatião, bem como os seus principais mo¬mentos de ascensão e decadência.

ORB — Qual a importância histórica da fes¬ta de São Sebastião, em Xapuri?
A.Z. — A festa de São Sebastião tem, para os xapurienses, a importância da funda¬ção da cidade. É uma festa de religiosidade. Ela desempenhava, outrossim, uma espécie de aconchego, de cordialidade, de colabora¬ção de tantos quantos moravam em Xapuri: patrões, empregados, magistrados. Todos se uniam em torno desta festa e por causa dela éramos felizes, pois todos nós observávamos que no decorrer da semana que antecedia a festa e na seguinte que marcava sua despedida, não se verificava um só crime, o que pro¬va que o seringueiro, quando vinha do serin¬gal para festejar o seu santo, trazia no coracão aquela vontade de dar vazão à prisão que o retinha nos seringais durante 11 meses, mas, também, preso a uma fé inabalável, ele vinha com o propósito de pagar suas promessas, de rezar, enfim, demonstrar uma religiosidade que hoje pouco se obser¬va. Era uma festa que cumpria uma finalidade social das mais importantes. Haja vista o seguinte: eu lembro quando menino, no dia da festa de São Sebastião, o lei¬lão era uma das coisas mais bonitas que se podia presenciar. Os seringueiros dispu¬tando, em torno de muitas brincadeiras, aquelas oferendas, que eram dadas para o santo. A construção da própria igreja deve-se à festa de São Sebastião. A disputa de uma simples flor, de um saco de bombom, de uma lata de goiabada, marca peixe, eram motivos para as maiores brincadeiras e as maiores rendas se podia observar numa festa pagã e ao mesmo tempo religiosa. Hoje, lamentavelmente, o que se ob¬serva é um pouco de religiosidade e muito de brincadeira, de passatempo, promis¬cuidade e vontade, de uns poucos, de fazer negócios. Hoje, não se vê a espontaneidade da festa de São Sebastião. Hoje, você não vê a classe alta, a classe média e bai¬xa. Hoje, a festa de São Sebastião é um desfile de miséria, onde a própria classe média não tem mais entusiasmo, mas não tem entusiasmo nem com a sua religiosi¬dade. Ela acompanha a festa por determinação histórica. Uns poucos que moram em Rio Branco vão pelo hábito de ir, mas não pelas mesmas circunstâncias que mar¬caram o brilhantismo e a beleza daquela festa.

ORB - Poderia explicar melhor a colocação feita sobre festa pagã e cristã ao mes¬mo tempo?
A.Z. — Os aspectos pagãos se observam mais nas festas dançantes, nas reuniões, nas brincadeiras, nos aperitivos que, às vezes, chegavam às raias da cachaçada, mas uma cachaçada conseqüente, onde todos procuravam externar sentimentos, na maioria das vezes, sadios. Esses homens brincavam, contavam anedotas, não se via este espírito que hoje divide e comanda a mentalidade dos que bebem. Hoje, o que nós verificamos é uma meia dúzia de rapazes a beber, com o propósito de aflorar nem sempre atitudes louváveis. Ontem, não; o seringueiro passava onze meses no seringal e viajava de três a quatro dias, a pé, para chegar dias antes da festa; recolher o saldo feito a propósito. Esse saldo eles queimavam dando parte em louvor ao santo e parte com o seu próprio festejo, a sua bebida, sua alimentação. O paganis¬mo desempenhado àquela época, em que hoje nos acolhitam os sonhadores, con¬servadores. Mas esse conservadorismo tem a sua razão de ser. Era um paganismo que mexia com todo mundo, que procurava mesmo àqueles que não gostavam de festa, que não tinham religiosidade, a saírem à rua para engrossar a procissão. Era um pa¬ganismo que contagiava. A religiosidade dentro desse paganismo que eles enxertavam e que formava, por assim dizer, um hibridismo social (se assim podemos ex¬plicar), era válido. O paganismo era em decorrência de determinados atos que saíam com espontaneidade da cabeça de cada um, com propósitos bons e sadios, mas nem sempre compreendidos por alguns. Era um paganismo em torno de transformar o santo num padroeiro de uma efêmera farra; transformar a procissão em uma espécie de espetáculo capaz de parar por alguns momentos ilibações alcoólicas ou uma festa paga que estava se desenrolando. Era um paganismo que, de certa forma, não enfeiava, não diminuía para aqueles que professavam e até se tornavam um pouco me¬nos violentos de que aquele paganismo que nós temos ciência como portadores de curso universitário. Aquele paganismo que a história nos conta. O paganismo que nós falamos aqui, da festa de São Sebastião, e de outras festas que têm como pa¬droeiro a movimentação, como em Tarauacá, Cruzeiro do Sul e qualquer outro lu¬gar, é um paganismo que podemos denominar de padre-nosso misturado com um pouco de cachaça, sem perigo, inconseqüente, sem qualquer admoestação para quem quer que seja.

ORB - Desde quando o senhor testemunha a festa de Xapuri?
A.Z. - Desde 1925. Com idade de sete anos, quando eu já tinha consciências, eu acompanhava empolgado aquelas festas, aquelas promessas. E outro fator é que a natureza hoje está castigando o Acre, se não bastasse a criminosa atitude de desa¬tivar os seringais mesmo primários, um crime praticado não contra Xapuri, mas ao Acre todo, tornando uma das classes mais respeitadas, que era a de seringueiros, em extinção.

ORB — Quem praticou esse crime?
A.Z. — Quem praticou, lamentavelmente, foi o governo brasileiro, a pedido ou por insinuação ou sugestão do americano, que tinha para abastecer suas fábricas de pneus, em São Paulo, a fonte produtora que lhes era de propriedade sua no Ceilão, lá no Oriente. Eles pensavam que aquilo não terminava nunca mais. Então, primei¬ramente, eles montaram as fábricas de pneus, depois desenvolveram as fábricas de automóveis, tudo fizeram para acabar com dois fatores altamente econômicos e que traziam as melhores vantagens sob o aspecto financeiro para o país: acabaram com as estradas de ferro, mostrando através de dados mentirosos que elas seriam impraticáveis, anti-econômicas.

Quando a própria América do Norte e a Rússia possuem a maior quilometra¬gem de estradas de ferro no mundo, prova que o meio de transporte mais barato ainda é a estrada de ferro. Segundo, desativaram a principal economia da região, que dava para o Brasil quase dois terços da melhor borracha do mundo. Hoje, o Acre é um pedinte. O que os governos passam aqui, em termos de dificuldades, é uma decorrência, uma conseqüência deste crime praticado contra o Acre. Podía¬mos desativar os seringais, mas de que maneira? Deixando-os como estavam e pro¬curando desenvolver e estimular outros meios de produção e de riquezas, e melho¬rando ou atualizando métodos mais modernos para a produção de borracha. E di¬gam o que disserem: borracha no Brasil, só no Acre e no vale do rio Acre, o resto é borracha inferior. Esses crimes que se cometeram na Amazônia e, especialmente no Acre, jamais serão esquecidos e deram, por decorrência, num problema social que nenhum governo do Acre terá meios e modos para solucioná-los, nem o gover¬no Federal. O que verificamos, melancolicamente, é a extinção de uma classe. Uma classe à qual todos nós devemos, primeiramente, este território; segundo, os filhos do Acre, os acreanos, devem a sua existência, o que hoje somos, o que o Acre é e o que poderia ser muito mais, àqueles nordestinos que tiveram a coragem de vir para cá desbravar nossas matas e desenvolver a produção da borracha. Pois, foram atacados pelas costas, de um momento para outro, se viram inteiramente abandona¬dos à sua própria sorte e considerados, hoje, como uma classe em extinção. Do seringalista, então, não quero nem falar, porque embora eu tenha sido, saí antes desse debacle e, hoje, o que se vê são homens envelhecidos pelo tempo, com vergonha de dizer que foram seringalistas. Se, ontem, ser seringalista significava apogeu, fortaleza, fortuna, hoje, falar em seringalista é motivo para deboche, gracejos, sorrisos, de¬cepções e vergonha.

ORB — Ê possível destacar, cronologicamente, os momentos de apogeu e decadência?
A.Z. — A festa de São Sebastião, de certa forma, sempre esteve ligada à situação econômica. Quando a borracha tinha a maior procura, evidentemente, a festa apresentava-se numa exuberância muito maior. O motivo que a tornava grandiosa era exatamente o dinheiro recolhido por patrões, por seringueiros, enfim, por todo mundo. Inclusive a presença dos turistas de todo o Acre, e de grande parte da Bolívia, acontecia porque toda a região era bafejada pela situação econômico-financeira provocada pelos produtos regionais. A festa vivia em função desta situação. Mas a época do apogeu que vi e guardei firmemente foi no período de 1944/46. Foi quan¬do a borracha tomou um incremento espetacular. Foi nesta ocasião que vi a festa ser uma coisa... Difícil de contar, inclusive. Nos anos seguintes observou-se a borra¬cha não alcançar preço igual ao de 46, com a última grande guerra. Contudo, ela continuou com preço compatível ao da mercadoria, produtos de consumo. Então, como a situação financeira do país mantinha-se num equilíbrio quase perfeito, a festa não se ressentia de um preço exagerado da borracha porque ela se espelhava, na verdade, no valor dos produtos de consumo e esse equilíbrio proporcionava um cunho de grandeza. Já de 46 a 70, a festa ainda se manteve bem porque a borracha tinha os seus preços estabilizados pelo Banco da Amazônia. De 70 para cá, quando houve praticamente a desativação dos seringais, a festa de São Sebastião foi perdendo não a sua religiosidade, mas a sua freqüência, os seus grandes estimuladores, que eram exatamente os seringueiros. Entramos numa fase em que o seringueiro passou a ser um intruso dentro dos seringais, por força de circunstâncias, vendidos. Os seus compradores precisavam das terras para desenvolver a pecuária, que diziam desejar desenvolver. Com a aquisição das terras, os fazendeiros não conseguiam conviver com os seringueiros, para eles (fazendeiros), figuras estranhas e elementos quase que indesejáveis. O seringueiro passou a ser nômade, passou a fugir, a sair. Essa fuga deu um certo baque na freqüência da festa, conquanto os seringueiros eram o grosso da festa. Eles eram o centro e representavam a própria classe média. Hoje, a classe média está pobre, o seringueiro não existe, o dinheiro está difícil. Eu estive lá agora e senti. Se não fosse um comerciante ter jogado na praça Cr$ 4 milhões, você teria visto a tristeza na festa deste ano. Outra particularidade: as luzes que mantinham acesas durante os quatro primeiros dias que antecediam a festa, para manter acordada a população flutuante, além dos navios gaiolas e as chatas que permaneciam no porto de luminárias acesas, davam um tom de encantamento e beleza. Xapuri era, à época, uma Veneza. Não a italiana, mas a Veneza dos pobres. As águas do rio colaboravam para isso. Hoje, o rio não sustenta suas águas mais do que uma semana. Ocorre que o nosso sistema ecológico foi mexido e hoje temos chuvas fora de época. Uma série de coisas aconteceu no Acre, inclusive, na festa de São Sebastião. Diria que o que se vê, agora, na festa do santo é um pouco de devocão, uma certa religiosidade, decepção, tristeza e muitas saudades dos dias bonitos que se foram, os quais não acredito que voltem mais.

ORB - A festa de São Sebastião é um fato econômico ou religioso?
A.Z. — Considero a festa de São Sebastião um fato social em si. Dentro desse fato social partimos para ser, também, um fato econômico e ter conotações religiosas bem profundas. Ela, através da religiosidade que é inata no brasileiro, provocou todos esses outros fatores: o fator social da freqüência e com seus reflexos; além do fator econômico e financeiro que dela decorrem, o que se vê, infelizmente, num campo muito restrito, em decorrência do que se verifica em todo o Acre: dificuldade de dinheiro, negócios parados, governo sem dinheiro, orçamentos paupérrimos.
E, por fim, o político xapuriense fez este desabafo:
- "Fico muito satisfeito quando vejo alguém se interessar pela história de uma terra. Porque lamentavelmente (aí eu faço questão de deixar consignado o protesto contra aqueles que, embora tendo obrigação de preservar e difundir a nossa história, que nada mais é do que a tradição de um povo, não o tem feito), o Acre — po¬dem observar — dentro de mais 30 anos será um povo sem história e um Estado sem tradição. Todas as coisas que poderiam representar patrimônio histórico foram der¬rubadas ou estão para cair ou desaparecer. Não se vê o menor interesse das autoridades públicas (neste ponto eu generalizo, não faço distinção político-partidária), e o que se verifica em torno de Porto Acre é um absurdo: Porto Acre representa para o acreano uma relíquia histórica, no entanto, não serve nem como galinheiro para criar galinhas de raça, muito menos para criar bois. O que se verifica no prédio, onde começou a Revolução Acreana, em Xapuri, na época transformado em boate (grifo meu: em 1981 funcionava na Casa Branca a Boate Disco Laser, e dou um doce para descobrirem quem era o autor da idéia..... ele mesmo.... Vanderley Viana.....kkkkkk). Não se zelou, incrível como pareça, por esta amendoeira nem vai se zelar, não se zelou por aquele tabocal que fica em frente ao prédio, lá o local que deu guarida aos brasileiros quando quiseram invadir a cidade de Xapuri na calada da madrugada do dia 6 de agosto. Enfim, contra esses descasos lanço meu protesto e deixo ainda minha esperança de que os governantes, os responsáveis pelos nossos destinos se lembrem de gastar alguma coisa para preservação de nossa história, de nossa tradição, porque serão recompensados pelo muito que o futuro dirá, em termos de História, a respei¬to do que éramos e o que somos."


E vou falar mais o que depois dessa?

No próximo artigo tratarei de causos antigos que aconteciam durante a festa, só para descontrair um pouco.