Escrito por Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, Danilo Pretti Di Giorgi e Rodolfo Salm
Como já é tradição nas primeiras edições do ano do Correio, faremos aqui uma tentativa de prever, em linhas gerais, como será 2009 sob o ponto de vista ambiental. Dada sua importância, a crise financeiro-econômica será fundamental neste ano que se inicia e, como já vem acontecendo, deve pautar também os acontecimentos relativos ao meio ambiente.
Não há consenso entre os ambientalistas sobre seus principais efeitos: parte de nós considera que a crise será benéfica ao meio ambiente, uma vez que a diminuição da atividade industrial, da produção do agronegócio e, conseqüentemente, a menor demanda por energia poderiam reduzir a aceleração da degradação ecológica do planeta. Isso já vem se verificando, por exemplo, na redução do crédito, que emperra as obras das polêmicas usinas hidrelétricas no rio Madeira, em Rondônia, e na crise que já afeta o setor madeireiro da região Norte. Porém, a crise também deve trazer aspectos negativos ao meio ambiente.
Com recursos minguando, governos podem investir menos na pauta ambiental. E isso vale tanto para dinheiro público no Brasil quanto para financiamentos externos. Mais: cidadãos e empresas podem ficar menos propensos a doar dinheiro para projetos ligados à questão.
Outra conseqüência negativa ocorrerá se os governos de países desenvolvidos começarem a usar a desculpa da recessão para justificar a definição de metas mais brandas para a próxima fase do Protocolo de Kyoto, que estarão em pauta durante o ano, com as discussões preparatórias para a próxima conferência sobre o clima, no fim do ano em Copenhagen. Alguns líderes europeus já usaram a crise para justificar o descumprimento das metas já traçadas do acordo, que expira em 2012 (aliás, praticamente nenhum dos países signatários cumprirá as metas). Se os efeitos da crise se mostrarem mais intensos nos países em desenvolvimento, em áreas mais remotas pode haver um aumento dos desmatamentos e da caça, como mecanismo de sobrevivência das populações menos favorecidas.
Por outro lado, é possível (e assim esperamos que aconteça) que os problemas de financiamento que atingem as usinas do Madeira cheguem também à hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Além disso, com a crise e, provavelmente, com a conseqüente queda no crescimento da demanda por energia elétrica, as discussões devem esfriar, ao menos temporariamente, espantando o fantasma de Belo Monte por alguns anos. Mas é preciso estar sempre alerta, porque não vão desistir até represarem todos os grandes rios do Brasil. Na verdade, do mundo.
O cenário para o agronegócio deve ser de redução temporária na produção, com conseqüente queda nas taxas de desmatamento, tudo isso devido à recessão nas economias dos grandes compradores de commodities agrícolas. Com menos dinheiro, a composição da dieta das pessoas muda. Resumidamente, corta-se carne, o item normalmente mais caro.
Isso evidentemente afeta a produção pecuária, além de prejudicar as vendas de milho e soja, principais vegetais usados nas rações. É previsível que o ministro Minc aproveite-se desta situação e atribua, assim como fez Marina Silva, as reduções nos desmatamentos principalmente às ações do ministério e ignore estes fatores conjunturais.
Com relação a tragédias como a de Santa Catarina, é certo que ocorrerão no futuro. Não se sabe onde nem quando, mas há risco de eventos semelhantes em inúmeras áreas localizadas na faixa litorânea que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo. Há uma feição geográfica que domina toda esta região, uma cadeia de montanhas paralela à costa. Apesar de mudar de nome (Serra do Mar, Serra dos Órgãos, Serra de Paranapiacaba, Serra da Graciosa, entre outras), trata-se sempre basicamente da mesma serra, com alta pluviosidade, causada pela barreira formada à dispersão da umidade que vem do mar. Some a isto o fato de as encostas serem íngremes, adicione ainda sua ocupação desordenada, desmatamento e, possivelmente, aumento da freqüência de eventos climáticos extremos como conseqüência do aquecimento global. O resultado dessa equação dificilmente pode ser muito animador.
Este ano foi Santa Catarina e parte do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ano passado foi Petrópolis, diversas vezes Cubatão ou Caraguatatuba. Quem será o próximo? É uma questão complexa que modelos computacionais de situações de risco, considerando as alterações climáticas relacionadas ao efeito estufa, poderiam ajudar a responder. Mas que vai além do poder de previsão dos autores desta coluna.
No mais, podemos prever com toda certeza que Minc irá manter-se tranqüilo no cargo, uma vez que incomoda muito menos os interesses dos poderosos do que sua antecessora, que caiu devido exatamente a seus posicionamentos contrários a esses interesses. E que fará muitas aparições espetaculares na mídia, dirá frases de efeito a torto e a direito (enquanto que nos bastidores se entende muito bem com figuras como o mega-sojicultor e governador do Mato Grosso Blairo Maggi), emitirá opiniões e recuará de suas posições diversas vezes, assim como quem troca de coletes.
Mas, independentemente da atuação do ministro, é certo que o tema meio ambiente continuará mobilizando mentes e corações em 2009 e nos anos seguintes, cada vez de forma mais intensa.
A crise representa uma grande oportunidade para reflexões. Mas não acreditamos que isso apareça com destaque na mídia. As TVs, revistas e grandes jornais vão continuar a clamar pelo crescimento a qualquer custo da atividade econômica convencional. Por outro lado, sites e jornais alternativos continuarão, cada vez mais, a ganhar peso e reconhecimento. O dilema entre preservar o que resta e manter o nível de produção e, conseqüentemente, de emprego, fatores que inevitavelmente estão sempre ligados, vai continuar a desafiar a humanidade, em busca de uma saída desse labirinto em que nos metemos e do qual a luz da saída ainda se apresenta com um brilho pálido. E esperamos que as alternativas ao modelo econômico moribundo sejam mais debatidas que nos últimos anos, quando grande parte da "esquerda intelectual" brasileira manteve-se de olhos fechados para a problemática ambiental, confiando no lastro de Marina Silva herdado de sua origem política, que, entre outras qualidades, é associada a Chico Mendes.
Apesar de a ex-ministra ter emprestado o nome do herói ambientalista à manobra de desmembramento do IBAMA (que ironicamente facilitará a concessão de licenças ambientais para as grandes obras e que por sua vez eram objeto de combate do seringueiro), continuamos simpáticos a sua pessoa. Continuaremos a ler assiduamente seus artigos de segunda-feira na Folha de S. Paulo e esperamos que em 2009 ela se posicione mais firmemente contra os erros do governo do qual fez parte e lidere assim a denúncia da farsa que se arma em torno da questão amazônica, o principal problema ambiental brasileiro pelo qual nossa sociedade será (tristemente) lembrada por todo o futuro da humanidade. Aos nossos leitores, um feliz 2009 e que a necessária e provavelmente compulsória redução no poder de compra e consumo não nos seja sofrida (acreditamos e esperamos que na verdade seja educativa e indicadora de novos caminhos).
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.
Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.
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