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quarta-feira, 12 de maio de 2010

OCÉLIO DE MEDEIROS

"...Mesmo depois de 68 anos de sua publicação, 'A Represa' continua uma obra singular e um excerto imprescindível de nossa história, ao mesmo tempo, rara, e ainda desconhecida do público acreano. O livro longe de ser um ataque à terra, é uma cinematografia das suas convulsões socias, como bem resume seu prefácio. Nunca alcançaremos o progresso tão almejado para nosso Estado, enquanto renegarmos nossa história a obra rara, em estantes particulares e bibliotecas inacessíveis"

O pai do romance acreano
Isaac Melo*
O ano de 1942 foi marcante para a literatura acreana. Nele surgiam duas importantes publicações que pela primeira vez abordavam somente temas acreanos em seus enredos. De um lado, o conto, representado pelo livro 'Sapupema: contos amazônicos' do cearense-acreano José Potyguara e por outro, o romance, representado pelo livro 'A Represa' do acreano xapuriense Océlio de Medeiros. Ambas as obras são inaugurais e alargam os horizontes para a construção de uma literatura de cepa acreana.
O Acre tem criado uma literatura original, embora ainda em vias de formação, com escritores que pouco a pouco vão se impondo no cenário nacional, pela argúcia de seus escritos e por uma inteligência sutil e provocante. É o caso de Océlio de Medeiros (1917-2008) que, talvez, tenha sido uma das principais personalidades acreanas do século XX e uma das biografias mais agitadas de nossa história. O menino de Xapuri em suas andanças pelo mundo iria se tornar, em breves palavras, militante estudantil, professor universitário, jornalista, advogado, porta-voz de governo, deputado federal cassado e perseguido pelo regime miltar, escritor e poeta.

Não tive o privilégio de conhecer Océlio de Medeiros, porém, desde que entrei em contato com sua obra percebi a superioridade de seu pensamento, fato que me fez ser um seu admirador. Por isso, creio que o Acre ainda está a dever um tributo a sua pessoa e a sua obra. Obra, esta, que não é tarefa fácil de ser abordada, por isso, me detenho, aqui, especificamente, no livro 'A Represa', deixando, assim, um texto mais denso para outra ocasião.
'A Represa: romance da Amazônia' é o primeiro romance acreano de um acreano, Océlio de Medeiros, publicado no Rio de Janeiro, em 1942, pelos Irmãos Pongetti Editores. Já na introdução do romance ressalta-se que a técnica empregada no livro, através de um estilo propositadamente descritivo, consistiu muito em buscar personagens de ficção, ou mesmo inspirado em modelos reais para cenas que colheu, numa apreensão caricatural no sofrimento da vida amazônica. Assim, percebe-se que o autor mescla situações reais com personagens fictícias, o que, por sua vez, confere à obra um valor histórico.

Océlio comenta, nas páginas iniciais, que 'A Represa' abrange dois cenários da terra que será a pátria da humanidade amanhã: o da transição da fase de conquista, o caso do Acre, e o da formação da sociedade aluviônica, que diante dos contrastes, tenta se estruturar para assim poder sobreviver. Soma-se a isso, uma selva pintada com tons nostálgicos. Embora a narrativa deixe transparecer o embate da natureza com o homem, o foco não está na selva imponente, mas no homem. Este, como a Fênix das cinzas, é capaz de se refazer da lama, depois de um repiquete a tudo destruir. Nesse sentido, o homem se torna mais forte que a natureza, uma vez que é capaz, frente à destruição, se reerguer novamente.

O romance tem como pano de fundo a decadência dos seringais e conclui com o início do segundo ciclo da borracha, advindo do começo da Segunda Guerra Mundial. 'A Represa', bem como 'Vidas Marcadas' de Potyguara, é um dos poucos romances em que o seringalista não é estereotipado como seres famigerados, a encarnação do mal na terra, pois como Océlio narra “eles eram, simplesmente, uma atitude imposta pelas contingências do meio, um produto do enriquecimento vertiginoso e obra de uma época de agitações tremendas, cuja energia tinha de se requintar, mesmo em barbaridades, para manter centenas de homens do sertão, com sentimentos excitados de cobiça, na ordem do trabalho que fez a Amazônia de hoje”.
No enredo do romance está Antonico, o jovem filho do Major Isidoro e Dona Candinha, seringalistas falidos pela crise que o enviam para trabalhar no seringal de um amigo, o coronel Belarmino. Este, em plena crise, é um dos únicos que mantêm seu seringal de pé, o Iracema. Lá Antonico encanta-se por Santinha, a filha do coronel. Araripe, o caixeiro do seringal, enciumado, conta a dona Zinha, mãe da moça, as “pretensões” de Antonico, que fala ao coronel, seu esposo. Por fim, numa alternativa conciliadora, por estimar o jovem, o coronel o envia para Belém para continuar os estudos.
A decadência da borracha se agrava cada vez mais. Diante dessa realidade coronel Belarmino resolve inovar: divide suas terras entre os seringueiros e começa a investir na agricultura. Em pouco tempo Iracema se torna um lugar próspero, e homens que dantes eram seringueiros agora são agricultores. Mas, como um dia ressaltou o amazonófilo Leandro Tocantins, na Amazônia o rio comanda a vida. Uma forte alagação inunda a região e Iracema ver desaparecer toda sua plantação. É a segunda decadência.
Expulsos pela alagação, seringalista e seringueiros são obrigados a embarcar para Rio Branco, onde são atendidos pela Comissão de Socorros aos Flagelados das Cheias criada pelo prefeito Ribeiro Santos. Em Rio Branco entram em cena outros personagens como Amadeu Aguiar, jornalista do conceituado “O Acre”; Manoel Brasil, o carteiro bisbilhoteiro; capitão Donato; Filipinho, que tenta iniciar a Academia Acreana de Letras, etc. personagens que refletem uma época e um povo.

Percebe-se, ao longo da narrativa, pitadas do humour e irreverência de Océlio. Falando sobre as peripécias do verídico e folclórico Pe. José, anedotava: “O Padre José, vivendo a emoção de todos esses lances de aventura, contava a estatística dos bichos caçados: duzentos caetitus, trezentas pacas, quatrocentos veados, cinquenta onças, oitocentos mutuns, dois mil jacarés... Anos depois o Padre José foi nomeado Agente Recenseador”. Em relação ao Banco do Acre pilheriava: “Em Rio Branco só há duas casas no gênero: a Agência do Banco do Brasil, funcionando num casarão coberto de zinco, e o Banco do Acre, inventado pelo Dr. Flávio. O Banco do Acre era como essas mulheres vara-paus: não possui fundos”. E sobre a situação política dizia: “A oposição, no Acre, é como Deus – se não existisse era preciso inventá-la”.

O título da obra é uma alusão aos homens que na Amazônia, como as represas, ficam, ali, “presos” sem ter como escapar da imensidão verde que a todos parece tragar: “Isto aqui é uma represa. Já é uma cadeia. Nós estamos como presos... cercados de horizontes, encadeado de distâncias”.

Mesmo depois de 68 anos de sua publicação, 'A Represa' continua uma obra singular e um excerto imprescindível de nossa história, ao mesmo tempo, rara, e ainda desconhecida do público acreano. O livro longe de ser um ataque à terra, é uma cinematografia das suas convulsões socias, como bem resume seu prefácio. Nunca alcançaremos o progresso tão almejado para nosso Estado, enquanto renegarmos nossa história a obra rara, em estantes particulares e bibliotecas inacessíveis. Esse progresso poderia ter como pontapé inicial uma re-edição da obra do pai do romance acreano.

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