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segunda-feira, 16 de junho de 2008

OS NEO-PARCELEIROS DO INCRA


A pecuarização dos projetos de assentamento do Incra tem resultado em uma nova 'safra' de pequenos produtores rurais: os pequenos pecuaristas ou ex-agricultores que abandonaram completamente o cultivo de arroz, milho, feijão e mandioca

Quem olha para Israel da Silva Rocha (foto) pensa que ele é apenas mais um vaqueiro ou diarista, desses que se contam às dezenas nos projetos de assentamento de pequenos agricultores que o INCRA espalhou pelo Estado.

Longe disso. Israel faz parte da nova safra de pequenos proprietários de terra do Estado que investiram tudo que tinham na pecuária. Esses neo-parceleiros do INCRA abandonaram de vez o cultivo de milho, arroz, feijão e mandioca e já representam uma parcela considerável das cerca de 300 famílias que vivem ao longo da área de influencia do ramal Nabor Junior, no Projeto de Assentamento Dirigido (PAD) Pedro Peixoto, cuja sede fica localizada na Vila Campinas, a 60 km de Rio Branco.

Os neo-parceleiros se firmaram nos últimos 5-10 anos. Exatamente quando as condições de escoamento da produção melhoraram substancialmente e a energia elétrica foi disponibilizada para a maior parte dos assentados. A impressão que se tem é de que o Governo investe pensando em ter como retorno o aumento da produção agrícola e, no lugar disso, o resultado tem sido o aumento do desmatamento e a conversão das áreas de florestas, incluindo as reservas legais, em pastagem para a criação de gado.

A pecuária nunca foi uma prioridade em projetos de assentamentos do INCRA porque se pensava que o tamanho das propriedades, entre 80 e 100 hectares, não favorecesse a atividade em bases comerciais. Mas é exatamente isso que está acontecendo. Pequenos agricultores dos projetos do INCRA estão se transformando em pequenos pecuaristas. E os que fracassam nesta transição vendem os lotes para vizinhos ou pseudo-fazendeiros urbanos (funcionários públicos) cuja intenção é apenas a criação de gado.

Em alguns casos, os lotes são vendidos para fazendeiros profissionais que aos poucos estão formando mega fazendas em áreas que deveriam abrigar apenas pequenas prorpriedades voltadas para a produção agrícola e criação de pequenos animais. Segundo Israel, existe no PAD Peixoto um fazendeiro que já comprou 18 lotes e cuja propriedade já está próxima de 1.500 hectares. Israel e alguns de seus vizinhos falam, com um misto de inveja e admiração, que só o curral que este fazendeiro está construindo já custou R$ 60 mil. E ainda não ficou pronto!

Israel, que já foi taxista por dois anos em Rio Branco, aprendeu rápido o segredo da pecuária. Para isso tem tido a assessoria dos compradores de gado, que não deixam os pequenos agricultores do Nabor Junior em paz, insistindo para que eles abram pasto para criar gado pois só assim eles vão ganhar dinheiro. E parece que isso tem acontecido. Em janeiro passado Israel vendeu de uma só vez seu antigo rebanho de 100 animais por cerca de R$ 30 mil. Segundo a avaliação dele e dos compradores de gado que atuam na região, o plantel não era bom. Era chegado a hora de investir em animais de melhor procedência.

Passado menos de um mês, Israel adquiriu 40 novilhas pagando um preço médio de R$ 290 por cada animal. Hoje todas elas estão 'enxertadas' e ele já recusou ofertas de até R$ 500 pelos animais mais bonitos. O novo plantel de Israel é realmente homogêneo e de qualidade e deve valer hoje pelo menos R$ 16 mil. Se todos os bezerros sobreviverem, ele vai poder vender cada um deles por no mínimo R$ 300! Só ai serão mais R$ 12 mil. Em outras palavras: com menos da metade do plantel anterior, Isreal tem, potencialmente, condições de faturar muito mais.

A venda de gado nunca esteve tão boa como agora, diz Israel. Segundo ele, a procura por bezerros é tão grande que hoje é possível vender os mesmos ainda na barriga das vacas. Os compradores, disse ele, se dispõem a adiantar até 25% do preço que ele poderia obter se resolvesse vender os animais após o desmame (8-9 meses de idade). Os outros 75% seriam pagos no embarque dos animais.

E a compra de gado é um ramo muito dinâmico. Ainda mais nos tempos atuais, onde o uso de telefones celulares se popularizou nas áreas rurais. Só no ramal Nabor Junior existem pelo menos 3 compradores de gado que toda semana ligam para saber dos produtores quem tem bezerros ou animais adultos para vender. E toda essa venda está sendo incentivada pela compra exagerada de animais por parte de grandes produtores de outros Estados, especialmente do Mato Grosso.

Perguntei a Israel se ele não pensa em voltar a plantar arroz, milho, feijão e mandioca no futuro. Sua resposta foi emblemática:

- Para que? Para me matar de trabalhar e receber uma miséria por uma saca de arroz? Hoje, se eu precisar de dinheiro, vendo um bezerro por R$ 300 e faço uma feira que dura mais de um mês.

Parece que a transformação do PAD Pedro Peixoto em assentamento de pequenos pecuaristas é apenas uma questão de tempo. O INCRA e as autoridades ligadas à produção agrícola precisam repensar a forma de assentamento de pequenos agricultores no Estado. Lotes como o de Israel, com cerca de 80 hectares, onde mais de 50% da floresta já foi convertida em pastagem, são ideais para a expansão da pecuária. Seja a realizada diretamente pelo próprio produtor, seja a resultante da aquisição do lote por um fazendeiro profissional.

Talvez a idéia de se investir em Pólos Agrícolas bem estruturados e com acesso garantido aos mercados consumidores seja a saída para o aumento da produção agrícola do Estado. Nos Pólos as propriedades geralmente são muito menores, no máximo 5 hectares. E este tamanho reduzido desestimula a pecuarização de áreas que originalmente deveriam estar produzindo arroz, milho, feijão e mandioca, como tem sido a regra nos projetos tradicionais de assentamentos agrícolas existentes no Estado.

Se nada for feito para mudar esse panorama, vamos continuar a comprar nos supermercados locais arroz do Rio Grande do Sul, feijão da Bahia e milho do Mato Grosso e Rondônia. Da mesma forma, os desmatamentos e queimadas, legais e ilegais, continuarão a acontecer no Acre. Hoje se sabe que a produção familiar é a que mais desmata, sendo responsável por 82% do desmatamento registrado no Acre (Anselmo Forneck, Superintende do Ibama no Acre). E a produção familiar acreana é majoritariamente concentrada nos projetos de assentamentos do INCRA.

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