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terça-feira, 24 de junho de 2008

DOIS MATUTOS ACREANOS

por:Isaac Melo
Dois matutos acreanos, lá das bandas do Seringal Sumaré, em terras taraucaenses, se encontram. Bastião e Sezarino são vizinhos, um mora na margem direita do rio Tarauacá e o outro à esquerda, no sentido de quem sobe o rio. Bastião com a estopa nas costas, volta da caçada apenas com uma Guariba que derribou do olho de um sapotizeiro somente com um tiro. Sezarino, famoso na região pelo mel de cana que produz, vem voltando do roçado, trazendo à mão apenas um terçado.

- Bum dia, cumpade Bastião! Caçando?

- Bum dia, cumpade. Fui dá umas voltas, mas num tem mais nada de caça nessa região. Nem imbiara... O negóço tá russo!

- É... também ali do nosso lado, num tá diferente não. Tem que proibir essas caçadas com cachorro. É isso que tá espantando os bichos.

- Cumpade Sezarino tem razão! Mas já que estamos aqui, num quer dar uma passada lá em casa agora, pra mode de nós tomar um café!?

Os dois entraram pelo varadouro que levava à casa de Bastião, uma palhoça perdida na vastidão da selva amazônica. Em tom de admiração, Sezarino pergunta a Bastião:

- Rapaz!!! Cumpade num ficou sabendo que vão mudar as nossas horas?

- Foi essa mêma conversa que Jandira chegou dizendo, agora quando ela voltou da cidade. É esse tá de furo... fuso horário aí, que tão querendo mexer - diz Bastião agitando as mãos como se não entendesse.

- Tão querendo mudar não, já mudaram, Bastião!
Os dois pararam subitamente. Bastião que vinha à frente volta-se para Sezarino.

- Deixa disso cumpade, foi mêmo, foi !?

- Foi! E num é coisa de gente piquena não. Ouvi dizer que é coisa de um tá de senador, lá da capital. É bicho grande! Tá tudo envorvido, até deputado...

- Logo vi! Só pode ter a mão desses políticos safados. Esses bichos são igual lacrau, um veneno só. Eu costumo dizer todos os dias lá em casa, que nenhum desses presta. Só inxerga a gente em épuca de eleição. Ai eles desembestam lá da cidade, pra vim prometer aqui pra gente, que vão fazer isso, que vão fazer aquilo. Tudo cunversa fiada. Depois nunca mais aparecem aqui! – termina Bastião retomando a caminhada rumo à barraca.

- Desde que eu me entendo por gente, temos nossas horas certas, dadas pelo nosso Bom Deus e São Francisco das Chagas de Canindé!

- Mas bem que o padre falou quando ele subiu agora pro Jordão, que já tamo chegando ao fim do mundo. – Sezarino se benzeu assim que terminou de falar.

- Num é nada de fim de mundo, Sezarino. Deixa de ser besta, homem! Acontece que nesse mundo uns mandam, outros obedecem. Nós somos aqueles que obedecem! Foi sempre assim, desde que mundo é mundo. – diz Bastião enquanto tira uma palha do meio do caminho.

- Cumpade, sabe?! Num sei, sinceramente, porque eles tão querendo mudá. Mim diga, nós vamus cumer miór por causa disso?

- Claro que não Sezarino. Ustudia tava dando no rádio, se eu num me engano, foi na Verdes Florestas de Cruzeiro do Sul, que isso é pra favorecer umas tá de mídia, como eles chamam, lá das bandas de Sum Paulo. Isso é tudo interesse. Um dia eles beneficiam, outro dia eles são beneficiados. Adispois eles vem com esses palavreados piedosos, que só querem o bem do povo. O bem do povo, Sezarino, é o bolso cheio deles.

- Sê tem razão. É isso mêmo. As coisas só pioram pra quem é pequeno. Se a gente produz farinha, num tem às veiz quem compre, e quando a gente vende num paga nem o trabáio da gente. Como diz meu pai, esses pulíticos só trabaiam na besteira. Algo mêmo pra ajudar a gente, neca!

- É mesmo cumpade!

Os dois se embrenharam pelo rude varadouro adentro, até perderem-se de vista.

Já são sete horas da noite. Em casa, os dois sentados tomam os seus cafés, enquanto o sol, por detrás da mata, se despede dos dois, cumprindo naturalmente seu ritmo de todos os dias...

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