Fui presenteado com um belo livro de Alfredo Bosi, jornalista recém eleito para a Academia Brasileira de Letras, que afirma nas primeiras páginas que a constante da nossa história é a oposição entre o projeto e a necessidade. Em seu livro "Dialética da Colonização", ele defende a tese de que todos os grandes projetos brasileiros - desde o sonho jesuíta do Mundo Novo até a saga da construção de um Estado Nação - sucumbiram diante de necessidades imediatas: escravização do índio para garantir a subsistência dos colonos; escravização dos africanos para viabilizar a economia agrícola; indefinição da propriedade da terra para possibilitar a grande agricultura itinerante; endividamento do Estado e desnacionalização da economia para possibilitar a modernização industrial.
A história do fracasso dos projetos diante da necessidade imediata criou nas classes abastadas a cultura do sucesso imediato. A introjeção dessa cultura na mente dos políticos faz com que o horizonte temporal de suas ações jamais vá além da próxima eleição.
Nem a esquerda conseguiu escapar dessa cultura do imediato e este viés pode ser fatal para o seu projeto. Mas não será fácil conseguir que os partidos de esquerda tracem estratégias em função do tempo requerido para que o projeto socialista possa amadurecer. Basta ver que em alguns arraiais da esquerda já há gente imaginando que a crise financeira irá catapultá-los muito em breve ao primeiro plano do palco político.
Doce ilusão!
Se o tamanho da crise dependesse de torcida, a esquerda deveria torcer para que não estourasse tão cedo, pois, se isto acontecer, ela se encontrará novamente despreparada para oferecer um projeto alternativo concreto às massas populares. Foi isto o que aconteceu nas duas únicas vezes em que, após a revolução de 1930, o sistema de dominação foi abalado pela rebeldia popular.
Em 1954, quando Vargas suicidou-se e as massas populares das grandes cidades tomaram as ruas em protesto, houve risco de desestabilização, mas nada aconteceu. Na ocasião, um europeu, arguto observador da cena que se desenrolava em São Paulo, sentenciou: "se existisse hoje um partido comunista forte no país, o Brasil seria comunista amanhã".
Em 1964, as agitações camponesas e operárias pelas reformas de base não encontraram nenhuma força de esquerda apta a entender o momento e a propor uma estratégia que conduzisse à ruptura do regime capitalista.
Não há, em 2008, força alguma de esquerda minimamente preparada para formular uma alternativa de poder que possa ganhar a mente e o coração da massa popular.
Portanto, a prioridade primeira de todo partido de esquerda, neste momento, consiste em começar a criar as condições subjetivas para a ruptura com o sistema vigente através de uma nova praxis de luta de classes. Isto exigirá um longo, paciente e complexo trabalho político, o qual, contudo, não se esgotará no âmbito estrito da política, mas terá que abranger o plano da cultura e enraizar-se em todos os meios em que vive a população de uma sociedade complexa.
A palavra está com os partidos de esquerda. Se as inevitáveis (e necessárias) avaliações do desempenho dos partidos de esquerda nestas eleições municipais, assim como os planos de ação futura, tiverem 2010 como horizonte temporal ou se tornarem combustível para cobranças e luta interna, perder-se-ão as oportunidades que a crise criará para avançar na direção do projeto socialista.
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