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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Eles estão vivos

Escrito por Gabriel Perissé
Eles estão vivos. Falam em diversos idiomas. Escondem-se. Dão sustos. Fogem correndo. Voltam humildes. Ficam esgotados e se recuperam. Morrem, porque estão vivos. Ressuscitam, porque estão vivos.

Estão vivos, andam ao meu redor, me acordam no meio da noite, me levam para passear. Propõem charadas. Cantam, contam, esquentam minha frialdade, matam minha solidão, torturam meu tédio.

Vivos, falam o tempo todo da vida, e da morte. Falam de pontos e linhas. Falam de curvas e retas. Falam de nuvens e pedras. Não temem nenhum assunto. Tudo o que é humano lhes é familiar.

Vivos estão debaixo da cama, enquanto roncamos e sonhamos, sem saber o que planejam. Planejam tomar nosso cérebro. Ocupar nosso coração. Planejam reconduzir nossos pesadelos. Planejam atuar sobre os nossos planos.

Vivos estão sobrevoando as casas, enquanto rastejamos. Vivos estão no porão, no armário trancado, na sala sem ar.

Vivos, compulsivos, cumulativos. Invasivos como doenças. O que são? O que são? Não se deixam levar, não facilitam a nossa vida.

Nem sempre estiveram tão vivos. Antes, eram pontos obscuros em mentes diferentes, insurgentes. Eram intuições vagas, imagens confusas, palavras soltas, diálogos cortados.

Mas quando se tornaram coisas vivas, conseguiram gerar outras vidas. São multiplicativos, insaciáveis, milagrosos.

Quando estão em nossas mãos, essas coisas vivas ganham novos formatos. Emitem sons de todos os tipos, belos e horrorosos, insinuantes e detestáveis, harmoniosos e desafinados.

Porque são vivos, eles me perturbam, eles nos perturbam. Você e eu não podemos evitá-los, não podemos mais viver sem eles. A vida que transborda neles é a vida que nos falta viver. Bebemos neles a vida que queremos ter.

Se vivos não fossem, não teriam essa força toda. Não estariam tão próximos de nós, mais próximos do que os animais de estimação, mais íntimos do que muitos daqueles que se dizem amigos nossos.

Vivos, podem ser queimados. Vivos, podem ser vendidos, doados, emprestados, esquecidos, reencontrados.

Vivos estão. Mais vivos do que pensamos. Mais vivos do que gostaríamos, talvez. Gritando, uivando, gemendo, os livros vivos nos fazem pensar além da conta, nos fazem lembrar realidades que gostaríamos de eliminar, os livros vivos nos fazem imaginar fora de hora.

Vivos estão os livros, objetos que deixaram de ser objetos.
Vivos livros, vivos quando os lemos. Ou até mais vivos, quando os deixamos de lado.
Livros vivos que vivem em mim, e em nós.

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
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