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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Personagens Inesquecíveis do “Vinte”

Como antes já havia comentado, não somente a Festa do Vinte de janeiro ficou famosa, mas também seus personagens, sejam eles milhares no anonimato ou aqueles que diretamente contribuíam para que a Festa acontecesse, é comum em conversas bem amigáveis e de muito respeito com os “mais velhos” sempre, entre um gole de café e, às vezes, uma dose de pinga, vão contando e explicando coisas de épocas distantes. Em meio à conversa, um pára e pede ajuda ao outro para relembrar um fato. Na maioria é sexagenária. Falam sobre danças, músicas e costumes. Citam nomes de grandes mú¬sicos regionais que animavam os bailes de 20 de janeiro, entre os quais Zeca Torres, Felix Pereira, Pituba, Olívia, Oscar Capivara, Beijuba, Aurélio e outros. Torres, Pi-tuba, Oscar, Aurélio e Beijuba já não tocam mais trombone, saxofone e acordeon. O Pituba morreu velho e esquecido; Torres foi traído pelo coração; o Oscar (me¬lhor saxofone do Norte do Brasil) segundo os que o conheciam foi morto em 1980, pelo trânsito de Rio Branco. O Aurélio, talvez o musico mais importante da época, dormiu e nunca mais acordou. E, por fim, o Beijuba morreu acometido de doença grave. Todos eram artistas e xapurienses que aqui começaram seus primeiros passos entre uma rodinha de amigos e outra, entre os grupos de jovens da paróquia de Xapuri, entre as diversas ações do Grêmio de Estudos Madre Petronilia Trinca do Instituto Educacional Divina Providência, desenvolveram suas habilidades musicais que entre muitas coisas alegraram inúmeras festas de São Sebastião. Segundo relatos no período de 50 e 60, esses músicos tocavam marchas, valsas, xotes, rancheiras, baiões, sambas e chorinhos, nos tantos salões existentes em Xapuri,entre eles o “Pega”, o “Pau no meio” o Ponto Chique... etc.

Nessas conversas os assuntos são muitos, das belas mulheres que chegavam à festa para 'faturar" e dos “marreteiros” (hoje camelôs) faladores que mostra¬vam um objeto qualquer e diziam: "Pague um e leve dois."

PAGAMENTO DE PROMESSAS

Comumente os músicos Xapurienses acompanhavam desde o dia 10 de janeiro até a festa dia 20, alegrando as “noitadas” com suas belas canções e ladainhas cantadas aos Santo Padroeiro, onde destaca-se o famoso “Salve, salve... São Sebastião” “O Povo de Deus” “Vim te pedir” e “Maria mãe dos caminhantes” e por incrível que pareça segundo os depoimentos o que mais emocionava sempre era o Hino Acreano.

Geralmente essa ação dos músicos era encarada como obrigação em agradecer as dádivas e o Dom da música, atribuídos ao Santo, era como se fosse um pagamento de promessa. E por falar em promessas, quando falamos nessa questão os idosos explicam, com minúcias, as mais diversas maneiras de se pagar promessas ao santo padroeiro.

- "A gente, quando alcançava uma graça, escolhia a maneira de como acompanhar a procissão, não importava o sacrifício, se um filho, a mulher ou qualquer outro parente havia sido salvo de doenças ou outro perigo. Alguns traziam "pelas" de borracha, facas de seringa* *, espingardas, facões, machados ou qualquer objeto de trabalho. Outros vestiam roupões (mortalhas) para acompanhar o santo. No final, tudo era depositado no altar. Tinham os que traziam animais, como porcos, galinhas, carneiros e até novilhas" — diz o velho Simeão Lima, do seringal Iracema.

Interessante que nas conversas as pessoas analisam e comparam as épocas, à medida em que a conversa vai se prolongando. É preciso estar atento, saber ouvir. Não se trata de desenrolar rosários de histórias saudosistas, mas de mostrar com perfeição o que acontecia nos “Vinte” passados. Há momentos em que esses idosos alegres endurecem as feições parecendo fazer ligação do passado ao presente. Parece que se dão conta de uma outra realidade, de tempos novos. São pessoas que têm vontade de falar coisas boas, de enaltecer a grande festa de Xapuri, mas é exatamente ela que serve de espelho onde os velhos trabalhadores se refletem.

O 20 de janeiro é um termômetro que serve para medir o grau de positividade ou negatividade na vida do município. Positivamente esta aferição era feita ao longo dos anos pelos saudosos xapurienses Raimundo Paes, Guilherme Lopes, Geremias, Jacob Rosendo, ex-políticos e comerciantes desta cidade. Segundo anotações da época em meados 1980, eles já sabiam que o apogeu já havia passado.

Nas crônicas do saudoso Josué Fernandes nos editoriais do Jornal Rio Branco datado do ano de 1981, quando por essas bandas veio realizar uma série de entrevistas sobre a festa e três delas merecem atenção porque são personagens históricos que povoam o imaginário Xapuriense veja em síntese o que foi escrito na coluna naquela época:

-Francisco Fidélis, ex-seringueiro com mais de 18 anos dedicados à seringa e uns tantos outros à agricultura, explica: "Quem dava movimento à festa de São Sebas¬tião eram os seringueiros, que trabalhavam o ano inteiro porque tinham devoção a gastar. Havia a certeza de que no ano seguinte tudo estaria recuperado e podia-se fazer outra despesa." Fidélis afirma que hoje não é mais possível fazer tal coisa, a situação está dura e "quem se arrisca vai sofrer". E continua:

- "O seringueiro já não existe mais. Foi expulso da colocação. Teve que ceder ao sulista que não se interessa por borracha. Milhares de seringueiras foram queimadas." E pergunta: "Você viu agora os montes de borracha que era acostumado a ver?" (Balancei a cabeça negativamente). O velho xapuriense prossegue: "Essa borracha que sumiu é que sustentava tudo isso aqui com a castanha, o couro de caça, a agricultura.Mudando de assunto, Fidélis diz nada tem contra rodovias, "mas elas trazem gente esquisita pró nosso meio". Sobre rodovia, Alesbão (um bom préto velho) diz: "Antes da instalação das estradas, festa de São Sebastião recebia mais gente. As pessoas vinham como podiam de pé, de barco, em lombos de animais e traziam macaco, papagaio, arara, periquito e até carne caça para a alimentação, durante os dia de festa."


- Quem não se lembra do Velho Camurim (foto ao lado), figura histórica cheia de histórias engraçadas e espalhafatosas, de piadas, enfim o grande Camurim sempre foi um dos personagens que a juventude sempre usou para fazer piadas. Antônio Bernardo, velho cearense que por muitos nos abasteceu Xapuri com carvão e secou tantas garrafas de pinga segundo os que o conheceram em um dos editoriais citados deu a sua opinião: “as enchentes, as chuvas nunca foram empecilho para atrapalhar a vinda do seringueiro; a Cidade, nesta época de festa”

Antes do terceiro personagem extraído dos editorias de O Rio Branco do ano de 1981 e que posteriormente se transformou numa publicação sobre a festa vejam que naquela época já havia uma certa falta de esperança em relação à economia Xapuriense senão vejamos parte daquela publicação:

POUCA ESPERANÇA
“Esses homens simples, mas capazes de compreender o que ocorre ao seu redor, afirmam não mais acreditar no soerguimento dos seringais. Esclarecem que as enor¬mes fazendas espalhadas Acre afora não permitem a volta da borracha, por mais que o governo se esforce.
"São de homens poderosos, que têm dinheiro", comple¬tam. Para os mais velhos só resta uma única alternativa: "ter fé e acreditar num mundo no¬vo, na libertação". "Se houver vontade, as coisas ainda podem voltar a ser como eram antes." E assim, a pobreza rápida a que essa gente foi submetida leva, às vezes, um homem do campo a fazer certos tipos de análises e que outras pessoas de locais mais "adiantados" sentem dificuldade de entender. É o resultado da estratificação social.
Vejam a terceira figura pelas letras de Josué Fernandes
“Dia 18 de janeiro, a convite de um amigo (o Pele), fui a uma boate e lá me apre¬sentaram uma figura de aspecto muito cordial: um mulato mediano, roupa pouco limpa e ginga de sambista, com quem travei o seguinte diálogo:
- Como é seu nome?
- Pirulito.
- O nome verdadeiro?
- Não é importante.
- Você é de onde?
- Do mundo.
- Tem família?
- Está toda aqui (apontou para as pessoas que dançavam).

O mulato que sentira o meu embaraço chegou-se e disse: "Eu sou de paz e gosto de dançar, brincar com as pessoas. Já tive tudo na vida, hoje..." Em seguida executou assobios imitando gorjeios de pássaros e já no final ocupou o centro do salão assobiando estridente, como que um árbitro que encerra uma aguerrida partida de futebol. Nos dias que se seguiram não foi mais possível ver o Pirulito. "O cidadão livre".

Xapuri é recheado desses personagens que inebriam o nosso imaginário e que muitas vezes capturados pela ótica mal intencionada de muitas pessoas que imaginam terem o domínio do conhecimento. Aprendi que para compreender a história de vida desses personagens é necessário antes de mais nada, se despir de conceitos pré-estabelecidos e aprender a conhecer o diferente o incompreensível.

No próximo artigo trataremos de uma entrevista do saudoso Guilherme Zaire no final da década de 70 sobre a festa, onde após a leitura me senti como se tivesse tido um aula sobre sociologia xapuriense.

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