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terça-feira, 17 de junho de 2008

Acre é o campeão nacional em crianças fora da escola


Cristiane Alves de Lima completou 7 anos em 2007. Onde mora, no seringal Iracema, na zona rural de Xapuri, a 190 quilômetros de Rio Branco, a menina não teve festa nem bolo no dia do aniversário. E ainda deixou de ganhar um valioso presente: não foi matriculada na escola. Neste ano, a situação se repetiria se dependesse apenas da família. Mas a Secretaria da Educação local descobriu que ela e dois irmãos – Antônio José, 13 anos, e Cleusa, 11 – ficavam em casa ou ajudavam o pai, o seringueiro Francisco de Assis Alves de Lima, nas coletas na floresta. Dois coordenadores pedagógicos foram até o sítio da família e, depois de muita conversa (e uma dose de pressão), convenceram Francisco de que não só o ensino é importante, mas que ele tem responsabilidades legais por não levar os filhos às aulas – segundo a Constituição, os pais ou responsáveis podem até ser detidos em situações desse tipo.

Não fosse a ação firme dos agentes da secretaria, Cristiane e seus irmãos continuariam a fazer parte dos 2,4% de brasileiros entre 7 e 14 anos que estão fora da escola. A porcentagem parece pequena, mas representa 660 mil crianças e jovens, um número respeitável se pensarmos no discurso oficial de que já alcançamos a universalização do Ensino Fundamental. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, feita em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os estados do Norte e do Nordeste têm os piores índices de exclusão. E o Acre é o líder desse triste ranking.

Essa estatística inclui tanto os que largaram os estudos quanto os que nem chegaram a ser matriculados. "As principais causas para a não-escolarização, em ambos os casos, estão em questões famiiares e culturais, envolvimento com drogas ou com o trabalho precoce e a falta de transporte ou de documentação", explica Maria Lúcia Vieira, responsável pelo levantamento. A situação é ainda mais preocupante quando se cruzam esses dados com os de freqüência efetiva e com as taxas de repetência – e, assim, temos uma dimensão um pouco mais precisa do tamanho do buraco em que se encontra a Educação brasileira. Estudo conduzido no ano passado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, revela que apenas 72% dos estudantes matriculados nas escolas efetivamente estão nas classes. Os 28% restantes, embora tenham o nome na lista de chamada, faltam muito ou não assistem à jornada considerada mínima para o aprendizado (cinco horas diárias). "Ou seja, estudando realmente não tem tanta gente assim", conclui Marcelo Neri, responsável pela tabulação.

"O não-comparecimento é uma das principais causas de repetência e desencadeia outros problemas, como a distorção idade-série, o abandono e a evasão", completa Zaia Brandão, do Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. De fato, relatório finalizado em abril pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) aponta que 53,8% dos que iniciam o 1º ano não chegam ao 9º. Desses, uma pequena parcela volta às salas de aula de Educação de Jovens e Adultos.

Daí ser importante articular as políticas públicas para garantir que 100% de nossas crianças e nossos jovens não só estejam efetivamente estudando como aprendendo e se desenvolvendo. A tarefa não é fácil. Três são os principais problemas para avançar nessa direção e superar as dificuldades a fim de construir uma escola de qualidade: o trabalho infantil, a ignorância das famílias que não valorizam o ensino e questões ligadas a violência, drogas e pobreza.

O vilão nº 1: trabalho infantil - Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 20% dos alunos em idade escolar param de estudar por exercer uma atividade remunerada. Para minimizar o problema, o governo vinculou programas de transferência de renda para a população carente (como o Bolsa Família) à matrícula das crianças em idade escolar. Isso deveria incentivar os pais a manter os filhos na sala de aula. Números do IBGE, no entanto, mostram que ainda há um longo caminho a percorrer: nos domicílios que não recebem o benefício, 2,1% das crianças estão fora da rede, e esse número chega a 2,8% entre os que começaram o ano recebendo o dinheiro (se os filhos faltarem por meses consecutivos, a ajuda é suspensa no ano seguinte). "Infelizmente, o desenvolvimento econômico não puxa o social na mesma proporção e ritmo. Por isso, o progresso do país não basta para resolver a questão", analisa Renato Mendes, coordenador da OIT. "Precisamos de crescimento local sustentável para que os adultos tenham emprego e não usem a força de trabalho dos filhos." Entre os 5 e os 13 anos, existem 4,5% de brasileirinhos na labuta – cerca de 1,4 milhão. Geralmente eles são empregados eventuais, que faltam um ou dois dias às classes, de forma irregular, como revela a pesquisa da FGV e da Unesco. "Existe a falsa impressão de que a criança assiste às aulas, mas é óbvio que a atividade remunerada atrapalha o desempenho e desestimula os estudos", diz Mendes.

Em Arapiraca, a 140 quilômetros de Maceió, a indústria do fumo é forte e marcada pelo emprego do trabalho infantil. Meninos como Rafael da Silva, 14 anos, ganhavam para "destalar" as folhas (arrancar os talos) e "desolhar" os pés de fumo (tirar os brotos para garantir o crescimento normal da planta). Na primeira metade do ano, a mão-de-obra infantil era requisitada no contraturno, em casa ou na fábrica. No segundo semestre, porém, havia debandada geral, pois parte dos estudantes seguia com os parentes para o interior
a fim de ajudar na colheita.

Para transformar essa realidade, a prefeitura passou a construir escolas de tempo integral. O projeto, iniciado no ano passado, conseguiu reduzir de 16% para zero a média de evasão nas unidades que adotaram o sistema. Uma delas, a EM Zélia Barbosa Rocha, fica no prédio de uma antiga fábrica de fumo (onde Rafael estuda hoje). A principal sala de manufatura de fumo de corda virou um teatro, palco das aulas de caratê e circo. Os outros departamentos se tornaram salas para abrigar as classes regulares. Os familiares, que antes viam a criança como "mão-de-obra mirim desocupada", agora percebem que o ganho é maior no estudo. "Rafael tirava 50 ou 60 reais por mês. Aprendemos a viver sem esse dinheiro porque percebemos que ele está melhor e mais feliz aqui", afirma a mãe, Claudênia da Conceição. Em 2009, cinco unidades devem funcionar em período integral em Arapiraca.

Dar mais valor à Educação
Nas regiões carentes, sobretudo na zona rural, a principal causa do não-comparecimento à escola é a pouca importância que as famílias dão à Educação, como no caso de Francisco Lima, citado no início do texto. Essa situação se traduz num misto de falta de informação, descrédito no governo e comodismo: "Vai pra escola pra quê? Tem necessidade?" Só um trabalho de convencimento, como o feito em Xapuri, dá resultados. Informações sobre as possíveis sanções legais também ajudam. "Raramente pais que não estudaram dão importância à escola, por isso é preciso conversar e fazê-los mudar de idéia", diz Roberto de Figueiredo Caldas, presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil. Várias prefeituras adotam esse modelo de resgate individual. Equipes de educadores são designadas para localizar as crianças que estão fora do sistema. Para isso, as estratégias vão desde o cruzamento das matrículas atuais com as do ano anterior até a verificação de mapas demográficos. O boca-a-boca também é útil, pois vizinhos e pessoas conhecidas da família ajudam a localizar os pais que mantêm as crianças longe das classes. O trabalho é de formiguinha mas dá resultado: Xapuri, que em 2006 tinha 30 alunos fora da escola, já resgatou 23, entre eles os três filhos de Francisco.

O resgate da situação de rua - Nas grandes cidades, o nó é igualmente dfícil de desamarrar. Muitas vezes, a realidade que as crianças mais pobres vivem em casa – violência doméstica, drogas, prostituição e desemprego – faz com que elas prefiram uma solução cruel: morar embaixo de um viaduto, dentro de um túnel, sob uma marquise. Os jovens fogem da família, da escola e do bairro e se tornam os chamados meninos e meninas em situação de rua. Conselheiros tutelares e agentes da prefeitura se esforçam para levar esses menores para abrigos. Mas às vezes o atendimento para por aí, quando o objetivo maior deveria ser levá-los novamente para a comunidade.

São Paulo trabalha para provar que esse resgate é possível. Graças a uma parceria com o Projeto Quixote, instituição que atua para consolidar o rematriamento (neologismo criado para expressar a volta para a mãe), assistentes sociais empreendem um longo esforço para se aproximar dos jovens e, pouco a pouco, obter informações pessoais, principalmente o endereço da casa deixada para trás. "Muitos não são viciados. Mas às vezes usam entorpecentes para esquecer o passado traumático", afirma Isabel Ferreira, do Quixote. O primeiro contato pode demorar meses. Quando ele acontece, duas ações correm paralelamente: enquanto o menor é convidado – mas nunca forçado – a ir para um abrigo temporário (e, com o tempo, retomar os estudos), a família é procurada pelos assistentes sociais. "Com tratamento psicológico e longe das ruas, é possível que ele volte para casa e seja matriculado na escola mais próxima", explica Auro Lescher, coordenador-geral da entidade. "Da mesma forma, os familiares tendem a nos tratar melhor quando sabem que conhecemos o filho, e assim fica mais fácil prosseguir o rematriamento", relata Isabel.

Inicia-se aí uma fase em que diversos órgãos e entidades são mobilizados. O conselho tutelar e as secretarias de Assistência Social, Saúde e Educação passam a atuar em conjunto. O apoio estruturado aos pais pode incluir, além de tratamento médico ou psicológico, a oferta de micro-crédito e credenciamento em programas governamentais de reinserção no mercado de trabalho. Quando a família tem condições favoráveis de convívio, o menor permanece em casa. Em três anos de atuação, o Quixote atendeu mil crianças, encontrou 200 famílias e reintegrou 30 jovens à escola. Em média, o processo todo demora cerca de um ano. Pela complexidade do problema, os números ainda são tímidos, mas apontam para uma possível solução para as metrópoles. De um em um, o Brasil pode, sim, conquistar a tão almejada universalização de fato do Ensino Fundamental, sem deixar nem um aluno fora da escola.

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