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terça-feira, 17 de junho de 2008

PARQUES DO PLEISTOCENO NO BRASIL

Enquanto em toda a África existem apenas cinco mamíferos mais pesados que uma tonelada (elefante, duas espécies de rinocerontes, hipopótamo e o macho da girafa), na América do Sul durante o Pleistoceno havia entre dez a doze espécies acima de uma tonelada numa única localidade


Mauro Galetti, PhD
Grupo de Fenologia e Dispersão de Sementes, Departamento de Ecologia (UNESP-Rio Claro), mgaletti@rc.unesp.br

Nos últimos anos diversos pesquisadores tem sugerido a introdução de grandes predadores e herbívoros para a reconstrução de ecossistemas naturais. A introdução de lobos, ursos, pumas e até mesmo espécies exóticas como elefantes e camelos têm sido sugerida pelos pequisadores para reestabelecer processos ecológicos de diversos ecossistemas norte-americanos, de florestas a desertos (Martin and Burney 2000).

Mesmo os bem equipados parques nacionais norte-americanos falharam em proteger toda a diversidade de grandes mamíferos como ursos, coiotes e lobos (Newmark 1987). Esses predadores de topo de cadeia alimentar são considerados “chaves” para a manutenção de todo o ecossistema, pois regulam as populações de herbívoros. Sem esses predadores, há uma aumento desproporcional nas populações de herbívoros e mesopredadores (como raposas, mão-peladas e esquilos), que sobrecarregam as populações de plantas e pequenos animais que são seus alimentos (Terborgh 1992, Crooks & Soulé 1999).

Muito antes da chegada dos primeiros humanos nas Américas, as savanas norte americanas comportavam pelo menos 41 espécies de grandes mamíferos, incluindo cavalos selvagens, bisões, camelos, tatus-gigantes, mamutes e preguiças-gigantes (Anderson 1995), enquanto na América do Sul, essa diversidade era bem maior (Cartelle, 1999, Fariña et al. 1998). Esses megamamíferos desempenhavam um papel extremamente importante na estrutura das comunidades vegetais e os efeitos dessa extinção prematura ainda é pouco entendida (Janzen & Martin 1982, Janzen 1986).

Alguns pesquisadores sugerem que há evidências suficientes que demonstram que os homens primitivos tiveram um papel preponderante na extinção de mamutes, preguiças gigantes, camelos, lhamas, gliptodontes, cavalos e outras espécies de mamíferos de grande porte, a chamada “megafauna” (Martin 1995, Haynes 2001). Existe uma forte correlação entre colonização e o crescimento de populações humanas (visível no registro arqueológico) e a extinção de grandes aves e mamíferos em todo o planeta.

Um aspecto importante é que, embora as mudanças climáticas do final do Pleistoceno tenha ocorrido ao mesmo de tempo em todo o mundo, a extinção da megafauna se iniciou a 40.000 anos na África e Austrália, 12.000 anos nas Américas e menos de 1.000 anos em Madagascar e Nova Zelândia (Martin 1995, Flannery 1995).

Outros pesquisadores, por sua vez, sugerem que mudanças climáticas, por si só, teriam eliminado toda essa megafauna (ex. Catelle, 1999, Ficcarelli et al. 2003). Com o aumento das chuvas e da temperatura, as savanas abertas teriam se reduzido em detrimento da expansão das florestas úmidas fechadas, causando a eliminação dessa megafauna pela falta de ambiente favorável.

Esses pesquisadores não aceitam a hipótese de o homem primitivo tenha causado a extinção da megafauna alegando não haver sítios arqueológicos humanos relacionados com ossos de megafauna. Porém, os sítios com interação humanos-megafauna, mesmo não abundantes, na realidade existem mas esta evidência é desacreditada (veja Fiedel & Haunes 2004). Além disso, em muitos locais a megafauna não é restrita a ambientes abertos, mas elefantes, rinocerontes e outros gandes ungulados podem ser encontrados em florestas fechadas.

É mais provável que tanto a caça como as mudanças climáticas tenham tido importância na extinção da megafauna sul americana. Owen-Smith (1992) propõe que a extinção da megafauna pleistocênica envolveu tanto fatores climáticos como antrópicos.

A alta pressão de caça ocasionada pelos paleoíndios teria causado um declínio acentuado nas populações de megaherbívoros (como acontece hoje em diversas reservas indígenas e unidades de conservação com forte pressão de caça). As mudanças no clima, por sua vez, teriam fragmentado e reduzido a distribuição desses megaherbívoros a locais com baixa qualidade nutricional, deixando-os mais vulneráveis a extinção local, tanto por humanos como por fatores estocásticos. Soma-se a isso o fato dos mamíferos extintos possuirem baixas taxas reprodutivas, excepto as espécies noturnas ou arbóreas (Johnson 2002).

Os mamíferos e aves dependentes da megafauna (como tigres-dente-de-sabre e condores) se extinguiriam em consequência da extinção de suas presas. Na verdade, ainda sabemos pouco quais fatores causou a extinção da megafauna, mas a pergunta que talvez seja mais pertinente seja quais os efeitos da extinção da megafauna nos ecossistemas savânicos neotropicais.

Com a rápida eiminação da megafauna sul-americana (alguns autore sugerem que entre 8 e 3 mil anos atrás, De Vivo & Carmignotto dados não publicados) a ausência de grande herbívoros alavancou a dominância de algumas plantas, resultando num acúmulo de biomassa vegetal seca suscetível ao fogo. Com a extinção de presas fáceis e ingênuas, como os grandes megaherbívoros, o homem primitivo intensificou o uso do fogo para facilitar a caça dos demais mamíferos, iniciando a alteração das savanas (ou seja o cerrado), como a conhecemos hoje. É bem conhecido que todos os grupos indígenas das savanas usam o fogo para caçar veados e tamanduás-bandeiras (Prada 2001). Esse tipo de caça é tão impactante que algumas espécies de grandes mamíferos já se encontram extintas em reservas indígenas (Leeuwenberg, 1997).

A minha geração cresceu influenciada pelo “Mundo Animal” e outros programas de natureza, todos, quase sem exceção, abordando savanas africanas. Eu cresci achando que a África era o continente dos mamíferos, enquanto a América do Sul era o continente das aves. Os grandes parques africanos, como o Serengeti, Okavango, Ngorongoro ou Kruger, com suas manadas de zebras, elefantes, gnus, e tantos outros mamíferos, era a imagem de natureza selvagem.

Mamíferos de grande porte sempre atraíram e ainda atraem o interesse da maioria das pessoas. Uma prova disso é o grande número de pessoas que visitam nos zoológicos os recintos de elefantes ou rinocerontes, comparado com o do lobo guará ou capivaras.

Os biólogos sul-americanos sempre tiveram uma pequena inveja dos africanos, pela carência de grandes animais nos Neotrópicos. Poucas pessoas sabem, entretanto, que a fauna sul americana de mamíferos de grande porte era bem mais rica que a encontrada na África hoje. Se pudéssemos voltar no tempo, há menos de 10 mil anos atrás, no final do Pleistoceno, as savanas da América do Sul (como cerrado e pantanal) eram mais espetaculares que as savanas da África.

Enquanto na África existem apenas cinco mamíferos mais pesados que uma tonelada (elefante, duas espécies de rinocerontes, hipopótamo e o macho da girafa), na América do Sul durante o Pleistoceno havia mais de 38 gêneros acima de 100 kg e entre dez a doze espécies acima de uma tonelada numa única localidade (Fariña et al. 1998). Manadas de cavalos (Equus e Hippidion), preguiças gigantes chegando até a 5 toneladas (Megatherium), gonfotérios (mastodontes) que assemelhavam-se a elefantes de 4 toneladas (Stegomastodon e Haplomastodon), Macrauchenias que pareciam com camelos de 1 tonelada, o Toxodon também do tamanho e adaptações dos hipopótamos, tatus-gigantes de até 2 toneladas (Glyptodon) e capivaras de 150 quilos (Neochoerus) perambulavam pelos nossos cerrados e pelo pantanal (além da caatinga e os campos sulinos) (Fariña et al. 1998, Cartelle, 1999).

Se nos basearmos no que conhecemos dos fósseis na América do Sul e sabendo o papel ecológico dos megaherbívoros na Ásia e África, certamente todos os ecossistemas que hoje conhecemos, principalmente o cerrado e o pantanal, são resultado de uma defaunação massiva de grandes mamíferos e ambientes altamente modificados pelo homem primitivo.

O que a extinção da megafauna há milhares de anos atrás têm a ver com a conservação os ecossistemas savânicos, como o cerrado e do pantanal de hoje? A rápida remoção de uma rica e exuberante megafauna, responsável por boa parcela da riqueza de espécies e certamente pela maior parte da biomassa vertebrada destes ecossistemas, se reflete até hoje nos processos ecológicos das savanas neotropicais.

Uma comparação entre o Parque Nacional de Emas em Goiás com o Kruger National Park na África do Sul ou outros parques africanos pode elucidar e abrir novos horizontes para o entendimento dos nossos ecossistemas. O Parque Nacional de Emas é uma savana de 132 mil ha que ainda comporta uma grande diversidade de grandes mamíferos, incluindo o veado-campeiro, a anta e a onça-pintada (Silveira et al. 1999).

Emas é considerado do “Serengeti brasileiro” devido a sua semelhança com o parque africano. Qualquer visitante irá observar alguns bandos de veados-campeiros (Ozotocerus bezoarticus) em pequenos bandos alimentando-se da vegetação (Rodrigues 2003). Estima-se que o parque abrigue cerca de 1.300 veados campeiros, ou seja uma biomassa de 35 kg/km2 (Rodrigues 2003) Se incluirmos antas, queixadas, veadosmateiros e catingueiros, a biomassa de “grandes” mamíferos não ultrapassa 100 kg/km2 (F. H. G. Rodrigues, com. pess.) Nos parques africanos, por sua vez, a biomassa de grandes herbívoros pode variar de 5.000 a 22.500 kg/km2, onde gnus, zebras, elefantes, rinocerontes, impalas e outros mamíferos são vistos facilmente (Caro 1999).

No pantanal, tido como local de maior abundância de mamíferos nos neotrópicos, a biomassa de herbívoros silvestres (como veados-campeiros, cervos e capivaras) não ultrapassa 1.000 kg/km2 (Tomás et al. 2001, Mauro et al. 1998, Galetti et al. dados não publicados), enquanto a de animais exóticos, como o gado bovino, porcos-monteiro e búfalos pode alcançar mais de 5.000 kg/km2 (sem contar os cavalos) (Mourão et al. 2002). Essa alta biomassa de megafauna exótica é sustentada por pastagens naturais, que certamente deveria comportar grandes herbívoros no Pleistoceno.

Estima-se que as savanas norte-americanas antes do início do Holoceno sustentavam cerca de 9.000 kg/km2 de herbívoros, como mamutes, cavalos, bisões e outros grandes mamíferos (Martin 1973). Na região dos pampas estima-se uma biomassa pretérita de 15.500 kg/km2 de mamíferos, sendo 11.000 kg/km2 só de megaherbívoros (maiores de 1 tonelada, Farinã 1996).

O pantanal com uma área de 140.000 km2, possui 31% de pastagens naturais (cerca de 43.400 km2) (Silva et al. 2000). Utilizando-se dados sobre a capacidade suporte que as pastagens naturais do pantanal oferecem ao gado bovino, ou seja, quantos quilos de comida que cada quilometro quadrado pode oferecer (pastagem) à fauna herbívora, calcula-se que essas pastagens naturais possam sustentar cerca de 10.000 kg/km2 de megaherbívoros (isso se estipularmos uma densidade de 29 vacas/km2 e cada vaca pesando 350 kg)(Santos et al. 2002).

Esse valor é semelhante à algumas savanas africanas produtivas, mas devido as diferenças sazonais e ambientais do pantanal é provável que esse ecossistema suportasse uma biomassa maior que as africanas (veja Fariña 1996 para os campos sulinos no Paraguai). Mesmo se levarmos em conta que a 10 mil anos atrás o pantanal era mais seco e frio, bem diferente de hoje e que há diferenças grandes de produtividade dentro do pantanal devido `as cheias, a produtividade desse ecossistema poderia suportar alta biomassa de megaherbívoros.


(*) Artigo enviado pelo professor Alceu Ranzi
Ilustração: Eremotherium Preguiça gigante (esquerda), Haplomastodon Mastodonte (direita)

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