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sexta-feira, 22 de maio de 2009

DA SALA DE AULA

Extraido do ambiente de aprendizagem virtual da USP - Ela estava andando por uma rua calma, a caminho da escola, e fazia tempo que esse caminho não lhe era mais agradável. Não lhe disseram na faculdade que todos aqueles conteúdos interessantes não seriam nem um pouco atraentes para seus alunos. Tentara se impor de várias maneiras: falando bem baixinho para obrigá-los a ficar em silêncio e prestar atenção nela, eles a ignoraram completamente; gritando bem alto para que fossem obrigados a ouvi-la, eles gritaram mais alto do que ela e, ainda por cima, ganhara uma dor de garganta nada confortável. Tentou também tornar a matéria mais atraente contando histórias interessantes e curiosidades sobre as grandes descobertas da matemática e sobre a vida dos grandes matemáticos, eles não prestaram atenção por mais de dez minutos. Deu prova surpresa, ponto negativo, perdeu noites de sono e até agora só o que conseguiu foi um desencanto terrível. Aquele caminho que tinha sido pleno de esperança e sonhos de sucesso agora era apenas o desagradável caminho para o seu trabalho. Aqueles alunos que pareciam a esperança de futuro, os futuros bons cidadãos do mundo sobre cuja formação ela teria empenhado um papel decisivo eram agora os pestinhas que torturavam seus dias e atrapalhavam seu sono.

E havia aquele aluno da sexta série, o pior de todos, ele era a laranja podre que estragava todas as outras, talvez a classe pudesse até ser controlável se não fosse pela liderança negativa daquele pestinha cheio de cinismo e desafiador. Quem ele pensa que é? Não tem nem doze anos e acha que é superior a todo mundo, inclusive (e principalmente) a ela, professora formada, uma das melhores alunas da sua turma na faculdade. Tinha vontade de estourar um tapefe bem dado naquele sorrisinho carregado de cinismo. Depois parava e tinha vontade de estourar um tapefe bem dado na sua própria cara, o que é que estava fazendo? Como podia se sentir no direito de ter raiva de uma criança? Ela que sempre adorou crianças e que nunca iria encostar um dedo em nenhum de seus filhos quando os tivesse. Essa escola a estava deixando louca.

Estava pensando seriamente em mudar de profissão, o antigo sonho de ser professora afundou-se na frustração e decidiu prestar um concurso para funcionária pública. Trabalharia na Receita Federal e esqueceria esse assunto de dar aulas já que se descobriu incompetente para isso. Se passasse no concurso trabalharia horas fixas e não muito mais horas do que aquelas que passa dentro da escola, como acontece agora; teria um salário fixo também e não receberia mais esse holerite totalmente incompreensível que chega todo mês; não precisaria mais esperar três meses para receber o primeiro pagamento cada vez que mudasse de escola e, o que era melhor, não teria mais que suportar os alunos e sua indisciplina e falta de respeito para com a figura do professor. Não veria mais aquele aluno da sexta série e não se sentiria culpada por sentir vontade de bater nele. Perfeito!

Enquanto estava envolta nesses pensamentos passava por um vasto espaço onde havia um campo de futebol com duas traves sem rede e lá estava ele, seu aluno mais detestado, soltando pipa. Ela olhou por alguns minutos e ele não a viu, olhos pregados na pipa grande e colorida que voava imponente sobre o bairro. Aquela visão como que ligou alguma coisa dentro da sua cabeça e ela sentiu o coração dar um pulo alegre no peito. Aquilo se chamava esperança, descoberta, certeza, encontro, eureka??? Acelerou o passo, ansiosa para entrar na sala de aula, com pressa, pela primeira vez em muitos meses, de ver-se diante dos alunos dentro da sala de aula.

Na sala chamou o aluno e ele respondeu de má vontade, como sempre. Pediu que viesse até sua mesa e fingindo ignorar seu ar desafiador começou a falar com ele num tom amigável:

— Hoje, quando eu estava vindo pra escola vi você no campinho soltando pipa, você sabe fazer pipa?
— Sei sim, aquela lá fui eu que fiz. — Falou brincando com uma régua que havia sobre a mesa.
— Você me ensinaria a fazer pipa?
— A senhora não sabe? — O olhar que ele pregou no rosto dela era de espanto.
— Não, quando eu era criança meu pai não deixou que eu aprendesse porque dizia que pipa é brinquedo de menino.
— Eu ensino sim. — Ele estava visivelmente alegre, ia mostrar suas habilidades.
— Estou pensando em fazer aqui na classe uma aula de fazer pipa, a classe inteira participando e você ensinando a mim e mais alguns alunos que não saibam, o que você acha?
— Legal professora, eu topo.
— Então deixa eu contar pro resto da turma o que a gente vai fazer. — E ela se levantou para falar com a classe, mas ele foi mais rápido e gritou.
— Aí pessoal, cala a boca um pouco que a professora tem um negócio legal pra falar.
O coração dela deu outro pulinho alegre no peito. Começou dando certo!

Aquela aula foi só de conversa. Planejou junto com eles como fariam as pipas, levantou a lista do material necessário e os preços, organizou grupos para que cada aluno que sabia fazer pipas ensinasse um grupo de alunos que não sabia, e fez com eles os cálculos de quanto custaria o material de cada grupo. Planejou, anotou, pediu e aceitou sugestões, e quando bateu o sinal, despediu-se de uma classe animada, sorridente e amiga para fazer a mesma coisa na outra classe e depois na outra (eram três classes naquele dia).

Chegando em casa montou rapidinho um projeto e iniciou um relatório registrando os resultados obtidos na primeira aula. Nos dias seguintes as aulas foram agitadas. Enfrentaram algumas dificuldades, mas a boa vontade era tanta que tudo acabava sendo contornado. As pipas ficaram prontas e marcaram a aula, com a devida autorização da direção, para irem todos até o campinho soltar pipas. Deu para incluir nos trabalhos uma aula de cidadania, quando levantou dados e conversou com todos sobre a inconveniência de se usar cerol e, com a ajuda e participação da professora de português, contou a eles uma bonita história de bilhetinhos que eram levados aos céus por pipas coloridas que uma menina romântica empinava nas tardes de sol. Teve a ajuda também do professor de educação física que entrou na “brincadeira” e foi junto com a garotada para o campinho usando também sua aula e aproveitando para, discretamente, falar de postura.
No campinho, pouco antes dela sair e deixar os alunos mais um pouco com suas pipas, acompanhados do professor de educação física, aquele aluno que antes lhe causava o desejo de dar-lhe um tapa e que agora despertava nela a vontade de dar-lhe um beijo na carinha esperta, chegou perto dela e chamou.

— Professora. — parecia um pouco sem jeito.
— Fala Thiago. — ela olhou sorrindo para o bonito rosto rosado.
— Olha professora, — falava enrolando a linha na grande lata de óleo. — a senhora é legal, eu não vou mais fazer bagunça na sua aula não, prometo.
— Combinado então, agora somos amigos, certo? — e ela cedeu ao impulso de dar um beijo na carinha dele.
— Certo! — O sorriso era largo e verdadeiro como poucas coisas na vida são. — Tchau professora!

Ela voltou para sua aula e já estava com mais dois projetos em fase de aperfeiçoamento dentro de sua cabeça. Depois do dia de soltar pipa, o trabalho foi fechado com os desenhos das pipas feitos com lápis coloridos em cartolinas que foram coladas nos corredores da escola. Ótima aula de medidas, cálculos, perspectiva. Esses foram os primeiros de muitos projetos e o concurso, e a Receita Federal ficaram esquecidos para sempre porque ela acabou de descobrir, graças a um aluno rebelde, que sua vocação real era mesmo o magistério.

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