José Eli da Veiga reflete sobre o tema e diz que o Brasil não evoluirá nessa direção se não incentivar as inovações tecnológicas
Por Débora Menezes
Polêmico? Não! Objetivo. Assim é o economista José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Adepto da chamada economia ecológica, o também pesquisador fundou e coordenou o Núcleo de Economia Socioambiental (Nesa), na mesma universidade. Escreveu 11 livros sobre desenvolvimento sustentável - o último, Emergência Socioambiental, foi publicado este ano pela Editora Senac e resenhado pelo Planeta Sustentável - e organizou 4 títulos. Também participou de diversas publicações - entre livros, revistas e jornais -, totalizando 23 capítulos e 25 artigos de sua autoria. Eis, aqui, dois dos mais recentes artigos escritos pelo especialista:
- Ambientalismo, entre crença e ciência, para o jornal Folha de São Paulo e
- O crime de só aprofundar Kyoto, para a revista Página 22.
Muito comunicativo, Veiga fala sobre o conceito de desenvolvimento e convida o leitor a refletir sobre como a sociedade precisa enfrentar a crise, ou melhor, a emergência deste século. Um de seus principais argumentos é o de que não é possível esse enfrentamento sem que haja investimento em ciência e tecnologia. Nesse livro, ele dá o recado: diz que, se houvesse maior investimento do Brasil em Ciência e Tecnologia, isso "estimularia os melhores investidores privados, em vez de promover os jurássicos que querem fazer da Amazônia e do que resto do Cerrado exatamente aquilo que seus pais, avós e bisavós fizeram da Mata Atlântica e da Caatinga".
José Eli gosta de fazer provocações. Quando participou do debate Diálogos Sustentáveis, em junho de 2007, classificou o Protocolo de Kyoto como "um equívoco". Nesta entrevista, novamente criticou o Protocolo, afirmando que são necessárias metas mais drásticas para redução de CO2 no planeta. Falou sobre atitudes individuais a favor da diminuição de impactos sobre o mundo que, na sua opinião, só fazem sentido se estiverem conectadas a ações coletivas para pressionar o Estado e se as próprias empresas também mudarem. E ainda comentou o lançamento de seu novo livro sobre desenvolvimento sustentável, em 2008: desta vez para explicar o tema para o público adolescente.
É mais comum encontrar geógrafos e biólogos que estudam e discorrem sobre meio ambiente do que economistas, não?
Há muito tempo, em muitos países, os economistas se envolveram com as questões ambientais. No Brasil, ainda há um peso muito forte do "economicismo". Esta é uma visão antiga da teoria econômica que diz que a economia não tem nada a ver com a natureza. Ainda somos poucos dentro da chamada economia ecológica (que se baseia no princípio de que o funcionamento do sistema econômico deve levar em consideração as condições do mundo biofísico, de onde derivam a energia e matérias-primas para o desenvolvimento. Leia mais sobre o assunto no site EcoEco - Sociedade Brasileira de Economia Ecológica). Mas já há vários pesquisadores envolvidos com o tema - e com a mais ampla 'economia do meio ambiente' - em muitas universidades brasileiras, como na Universidade de Campinas (Unicamp, sede da EcoEco) e na Universidade de São Paulo (USP). Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade são termos muito utilizados ultimamente, mas, nem sempre, de forma correta...
Na verdade, eu digo que desenvolvimento sustentável não é um conceito. É, no máximo, uma noção. Quando se pode definir algo de muitas formas, deixa de ser conceito! Mas essa banalização a que você se refere acontece mais com o adjetivo "sustentável", atualmente utilizado para muitas coisas. Há abusos, mas até agora não sei se isso é realmente tão ruim. No fundo, serve para que as pessoas passem a discutir o assunto.
Quando é correto usar a expressão sustentabilidade?
A única maneira correta é entendê-la como uma preocupação com o tempo durante o qual a espécie humana vai existir. Que a espécie humana vai se extinguir é sabido, mas podemos acelerar o processo. Se o aquecimento global for do jeito que está se discutindo e divulgando, é como se a humanidade estivesse cavando a própria cova, isto é, ela está acelerando o processo de extinção da espécie com uma rapidez muito maior. E se a humanidade decidir se preocupar com as longínguas gerações, nós teremos que elaborar programas muito mais sérios para diminuir os impactos sobre o planeta, para "prolongar nossa estadia" aqui. Infelizmente, como diria o economista Nicholas Georgescu Roegen (1906-1994), aparentemente a humanidade já escolheu uma "existência mais breve e mais excitante".
O empresário brasileiro está, mesmo, caminhando em direção à sustentabilidade?
É uma pergunta difícil de ser respondida. Há coisas positivas e há estudos mostrando os limites disso. Mas, se chegarmos à conclusão de que não adianta as empresas assumirem responsabilidade socioambiental, vai ser muito difícil ter desenvolvimento sustentável, pois cada um tem seu papel nessa história.
A responsabilidade socioambiental virou uma questão séria para muitas empresas. Enquanto algumas já entraram fundo nisso, mostrando resultados, outras aderem por oportunismo, o que também pode ser positivo em longo prazo porque, se a empresa for realmente séria, o conceito evolui. Quando essa empresa começar a desenvolver um trabalho com os funcionários - com base no discurso socioambiental - e estes perceberem que o discurso não bate com as atitudes da empresa, eles vão cobrar. Daí se inicia um processo que acaba interferindo positivamente na cadeia: dos fornecedores aos clientes.
Há três bancos bem avançados nessa questão da responsabilidade: o Real, o Itaú e o Bradesco. Mas, se por acaso, um deles tomar alguma atitude contrária ao discurso que está construindo, será, com certeza, pressionado.
Sabemos que é necessário diminuir o consumo para preservar recursos. Mas, como isso é possível num mundo onde países populosos, como China e Índia, estão justamente buscando aumentar seus padrões de vida?
Nesse discurso sobre consumo, é muito freqüente esquecer que seus impactos podem mudar por conta de inovações tecnológicas. Nunca se deve fazer o raciocínio "se todo chinês tiver um carro como os americanos", pois, quando cada chinês tiver realmente um carro, com certeza o carro não será o mesmo. É óbvio que o atual motor de explosão tem tecnologia praticamente condenada e é perigoso fazer esse raciocínio como se os padrões de consumo fossem imutáveis.
É interessante pensar que as populações - que, hoje, têm padrões baixos de consumo - só vão aumentar seus níveis de conforto devido a mudanças e inovações que permitam que as melhorias em sua qualidade de vida não sejam tão agressivas ao meio ambiente. E em várias partes do mundo se caminha em direção a mudanças. Na Alemanha e na Áustria, por exemplo, existe um movimento chamado Passivehouse (ou Passivhaus), cujo objetivo é a construção de casas que utilizem ao máximo a energia solar. É o consumo, a busca pelo conforto, mas minimizando seus impactos, com a ajuda da tecnologia.
Então, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia é básico para o desenvolvimento sustentável?
Sim, não temos, por exemplo, energias neutras em emissão de carbono, mas há pesquisas sendo desenvolvidas para encontrar formas parciais de neutralizar as emissões, como o uso de biocombustíveis ou da energia eólica. Se o planeta acelerar essas pesquisas, a idéia de desenvolvimento sustentável vai ficar muito mais paupável. O aquecimento global não tem solução se os países emissores não cooperarem em direção à pesquisa. O que vamos utilizar para substituir os combustíveis fósseis? Quando se descobre uma jazida de petróleo fazem a maior festa. O ideal seria não precisarmos mais dele porque estamos desenvolvendo tecnologias capazes de superar a era do petróleo. E parece que ainda estamos distantes disso.
Em seu livro o senhor também comenta que a sociedade brasileira deveria "consagrar mais energias à educação científica do que dedica ao futebol". Por que a ciência não se populariza?
A sociedade brasileira não enxerga que nós só temos chance de sermos alguma coisa no século XXI e conquistarmos status de país desenvolvido se levarmos a sério o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Infelizmente a gente não ensina ciência direito na escola. Existe um desprezo grande pela educação científica. Enquanto não existir, por parte dos pais, uma fiscalização eficaz da escola, enquanto eles não cobrarem das escolas a verdadeira educação - com o mesmo empenho que o brasileiro cobra do técnico da seleção um bom resultado numa Copa -, não vamos para frente. Eu digo mais: o Brasil é uma sociedade infantil, isto é, no começo do século XXI ainda não despertamos para a ciência e a tecnologia. Admiro iniciativas como a do Instituto Sangari (fundação que promove programas de estímulo ao conhecimento científico), mas esse nível de trabalho ainda está longe da realidade da maioria das escolas públicas.
Em "Emergência Socioambiental", o senhor também critica o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo Lula. Fale sobre isso.
Eu tenho a impressão de que o governo atual oscila muito. Eu vejo o governo distante da idéia de desenvolvimento sustentável, mas também vejo que ele não consegue sufocar as ações positivas do Ministério do Meio Ambiente. Em relação a políticas públicas, acho que existem muitas, mas o Estado não tem eficiência suficiente para aplicá-las. Temos excelente legislação no Brasil, mal ou bem também temos uma estrutura organizacional, mas estamos longe do básico como acabar com o desmatamento na Amazônia, por exemplo. Não temos estrutura de fiscais e ainda temos que enfrentar o problema da corrupção.
Como o senhor, como economista, analisa as recomendações do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas Globais (IPCC) para reduzir 25% das emissões de CO2 até 2020?
Li com muita atenção o último sumário do IPCC e, a princípio, a informação que mais chama a atenção é a de que a temperatura média da superfície não deveria aumentar mais do que 2º C em relação ao início do século XX. Para atingir essa meta, teríamos que manter a concentração de dióxido de carbono (CO2) em 450 ppm.
Mas já estamos bem perto disso, então, o que tem que acontecer? Os países responsáveis pelas emissões precisam ter metas de redução de CO2 mais drásticas e impostos que tornem a emissão mais cara e, consequentemente, desloquem o consumo para bens que provoquem menos impacto ambiental.
Outro pilar importante é a pesquisa para descobrir formas de "descarbonizar" as matrizes energéticas. Sem acelerar isso, fica um problema sem solução. O mais estranho, para mim, é que as pessoas concordam com o Relatório do IPCC e com o Protocolo de Kyoto. Lendo os dois, rasgaria o Protocolo e tomaria medidas muito mais radicais. Aparentemente, o aquecimento global é um problema muito mais sério que outros problemas internacionais, mais do que o terrorismo, talvez.
O que é preciso fazer para evitar que o termo "desenvolvimento sustentável" se banalize?
O termo já virou moda. O desafio, então, é aproveitar o modismo para discutir a questão e ir além. Se as pessoas acordaram para essa expressão, agora é a melhor oportunidade para discutir sobre isso e refletir sobre sua importância. O modismo precisa virar algo consistente.
Um indivíduo que muda suas atitudes - e consome menos, por exemplo - pode realmente mudar o mundo?
Grande parte das questões que precisam ser resolvidas infelizmente não depende somente de atitudes individuais. Até as próprias atitudes individuais são conectadas ao coletivo, como a reciclagem: você pode reciclar seu lixo mas, se não existir um sistema de coleta que funcione, é um esforço que pode ser feito em vão. Se não existirem ações coordenadas do Estado, evidentemente apoiadas na conscientização das pessoas, as atitudes individuais não têm tanto efeito. Por isso é que precisamos agir como cidadãos, cobrar da prefeitura um sistema adequado de coleta de lixo.
Quando morei na Califórnia, 12 grupos de consumidores pressionaram os supermercados a abolir os sacos plásticos. Hoje, se você entrar em um supermercado de lá e usar os saquinhos, vai ser olhado como um criminoso! Mas, para que se chegasse até isso, foram realizadas não só campanhas de conscientização, mas movimentos de consumidores que pressionaram o Estado e, principalmente, os próprios supermercados, que passaram a aderir novamente aos sacos de papel. Foi uma pressão social, não só individual, mas coletiva.
Que livros o senhor recomendaria como "de cabeceira" sobre a temática socioambiental?
Vamos lá! Dois não podem faltar na biblioteca: Colapso - Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso, de Jared Diamond (Ed. Record, 685 páginas), que analisa como o colapso global pode ser evitado, levando em conta fatos históricos, e Mundo Sustentável, organizado pelo jornalista André Trigueiro (Armazém do Ipê, 365 páginas). Gosto especialmente deste último porque reúne artigos de 21 autores (incluindo o entrevistado e outras personalidades como Leonardo Boff), que associam a questão ambiental a suas áreas de conhecimento.
Para saber mais sobre o pensamento e a obra de José Eli da Veiga, navegue pelo seu site. Lá está tudo o que o economista produziu - artigos científicos e artigos para jornais e revistas, além da lista de livros que escreveu, organizou ou dos quais participou - e também as entrevistas que deu para a mídia impressa e eletrônica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Caro usuário, você é muito importante para este espaço, suas idéias e opiniões são valiosíssimas, será sempre muito bem vindo a deixar impregnado sua opinião.
Caso queira contribuir, com uma crítica construtiva prossiga, você será respeitado, tal qual o teu respeito para o Xapuri News, porém caso deseja deixar um comentário que fira os preceitos éticos deste instrumento de informação, infelizmente não poderemos publicar o teu comentário...
Cordiais Abraços...
Joscíres Ângelo
Adm. Xapuri News